Nova turnê do Iron Maiden tem repertório irrepreensível
Por Luís Schuh Bocatios | Foto: John McMurtrie
No último domingo (28), o Iron Maiden deu início a sua nova turnê, The Future Past Tour. Nela, a banda mescla faixas dos álbuns Senjutsu (2021) — seu mais recente lançamento — e Somewhere In Time (1986) —, clássico absoluto do Maiden, que nunca foi bem explorado ao vivo. Além disso, a banda não deixou de tocar algumas músicas indispensáveis, e outras surpresas que agradaram a praticamente todos os fãs.
O show de abertura ocorreu na cidade de Ljubljana, na Eslovênia, e foi cercado de expectativa por fanáticos ao redor do mundo, sedentos para descobrir quais músicas de Somewhere In Time seriam resgatadas pela banda, e quais de Senjutsu seriam tocadas pela primeira vez. Páginas e sites especializados no Maiden do mundo todo estiveram presentes, fazendo lives e cobertura em tempo real de toda a movimentação, estrutura do palco, figurinos de Bruce Dickinson e, claro, do repertório. A cobertura foi tão grande que há vídeos em alta definição do show na íntegra, o que dá a quem não esteve no local plenas condições de analisar a performance, como se fosse um DVD oficial.
Os fãs mais atentos aos easter-eggs que a banda costuma soltar já sabiam o que esperar: cinco músicas de Senjutsu, cinco de Somewhere In Time e cinco de outros discos. No caso de Somewhere In Time e Senjutsu, o post do Intertítulo sobre o anúncio da turnê gabaritou quais músicas seriam tocadas.
Criticada por ser uma das bandas que menos inova no setlist — acusação que não é totalmente baseada na realidade, visto que, tirando os clássicos indispensáveis, a banda roda bastante o setlist —, dessa vez o Maiden não pode ser criticado. Das quinze músicas presentes no setlist, apenas quatro estavam na turnê anterior, Legacy Of The Beast.
Das cinco de Somewhere In Time, a que foi tocada mais recentemente foi Wasted Years, que teve sua última performance em 2017. Além dela, Heaven Can Wait também foi executada neste século, na primeira parte da turnê Somewhere Back In Time, em 2008. Stranger In a Strange Land foi apresentada em cinco shows no ano de 1999, mas, antes disso, apenas em 1987 — mesma data da última performance de Caught Somewhere In Time. Por último, a banda finalmente realizou o maior sonho dos fãs, e, pela primeira vez, tocou o épico Alexander, The Great.
Dentre as representantes de Senjutsu, apenas The Writing On The Wall não é inédita ao vivo, pois foi inserida na última parte da Legacy Of The Beast, que rodou a Europa e as américas entre o meio e o final de 2022. Days Of Future Past e Time Machine certamente entraram por seu tema de viagem no tempo, que encaixa perfeitamente com o Somewhere In Time. Já Hell On Earth e Death Of The Celts foram duas das faixas mais aclamadas pelos fãs, e também garantiram lugar na nova turnê.
Dentre as músicas de outros discos, a surpresa foi geral: apesar das infalíveis The Trooper, Fear Of The Dark e Iron Maiden, a banda subverteu expectativas ao deixar de fora clássicos como The Number Of The Beast, Hallowed Be Thy Name e Run To The Hills.
Ao invés delas, optou por The Prisoner e Can I Play With Madness, que não eram tocadas ao vivo desde 2014, na turnê Maiden England. Mesmo que Can I Play tenha permanecido no repertório da banda por muito tempo, The Prisoner voltou ao set em 2013 após 25 anos, e foi performada apenas até o ano seguinte. Se os fãs que clamavam por maior variação no setlist e uma atenção especial ao clássico negligenciado de 1986 continuarem reclamando, não há mais o que fazer: é só uma vontade incurável de reclamar.
Performances
É impossível discutir Somewhere In Time sem citar que ele é o disco mais técnico do Iron Maiden. Talvez esse seja um dos motivos pelo qual a banda demorou tanto para performar as grandes músicas do álbum. Com os integrantes em uma idade já avançada, era claro que algumas adaptações seriam feitas, e a mais clara acabou se confirmando: assim como na Legacy Of The Beast, o andamento das músicas ficou nitidamente mais lento. De primeira, isso gera algumas quebras de expectativas — como a diferença entre o playback de Caught Somewhere In Time para quando a banda entra no palco, ou na explosão após a calma introdução de Alexander, The Great.
Em termos visuais, a banda também não iguala a turnê anterior, que foi o maior espetáculo teatral que a banda levou aos palcos. Mesmo assim, há belos truques pirotécnicos, como o canhão que Bruce Dickinson atira contra Eddie em Heaven Can Wait ou os fogos em Hell On Earth. Os figurinos do vocalista também estão bem mais econômicos — na Legacy, ele não ficava mais de três músicas com a mesma roupa, e, agora, o figurino permanece quase o mesmo durante o show inteiro, com mudanças simples, como trocar de jaqueta ou tirá-la.
Outro ponto é que algumas partes foram nitidamente simplificadas, para exigir menos dos músicos. Basta ver o pós-refrão da música de abertura, cuja levada quebrada foi substituída por uma mais simples que diminui a possibilidade de erros. Além disso, é claro que o repertório foi desenhado para Bruce Dickinson; começando a demonstrar dificuldades em chegar nas notas mais altas, o cantor tem faixas que exigem muito de sua voz intercaladas com outras mais tranquilas — ou mais recentes, em que o vocalista já tinha uma voz muito parecida com a atual. Mas tudo isso acaba se tornando irrelevante perto da excelência com a qual a banda está performando as músicas.
É fato que Nicko Mc Brain não faz mais as viradas elaboradas que sempre fez, e precisa diminuir o andamento das músicas para ainda dar conta de tocá-las bem, aos 71 anos. Bruce Dickinson também está cada vez mais dosando seus tão característicos agudos, e usando técnicas que disfarcem quando não alcança a nota. Mesmo Janick Gers — conhecido em terras tupiniquins como a “Daiane dos Santos do Metal”, pelas acrobacias que faz no palco — está mais calmo, tocando guitarra um pouco mais do que balançando-a no ar.
Mas nada disso prejudica em nada a performance da banda, que, na verdade, tem alguns dos integrantes atingindo seu auge. Pelos vídeos do show, é possível afirmar que Adrian Smith nunca tocou tanta guitarra em sua vida. É claro que os solos ao vivo não seriam tão bons caso ele não tivesse os gravado em estúdio, mas o repertório privilegiou os melhores solos da carreira de Smith, e exige uma grande dedicação do guitarrista, que os executa com uma precisão assustadora. Todas as músicas da tríade de abertura do show — Caught Somewhere In Time, Stranger In a Strange Land e The Writing On The Wall — contam com alguns dos melhores solos da carreira de Smith, e sua execução dos três prova que sua forma está cada vez mais afiada.
Dave Murray, por sua vez, pareceu bastante animado em sair da zona de conforto e tocar músicas e solos que não apresentava a décadas. Alguns de seus solos tecnicamente mais complexos estão sendo performados pela primeira vez em décadas, como os de Caught Somewhere In Time e Alexander, The Great, e o guitarrista parece muito mais animado do que estava nas últimas turnês. Steve Harris, o patrão, nunca esteve melhor, e nem pior: sua precisão técnica no baixo e sua animação no palco são imutáveis desde a primeira turnê da banda.
Talvez uma turnê retrospectiva de Somewhere In Time seria ainda melhor se realizada dez anos atrás, quando a idade da banda ainda não era tão elevada para músicas tão técnicas e enérgicas. Nesse caso, talvez fossem realizados outros sonhos dos fãs — como a execução da brilhante The Loneliness of The Long Distance Runner —, que a idade já não permite que a banda consiga.
Mesmo assim, a turnê The Future Past realiza alguns dos maiores sonhos dos fãs de Iron Maiden, e não deixa brecha para reclamações de quem espera que a banda inove no repertório. Resta aos brasileiros torcer muito para que os boatos se confirmem, e a banda traga a turnê ao Brasil em 2024.
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