M3GAN: um quase-terror espantosamente singelo

Nova produção da Blumhouse acerta no humor, mas perde força tentando viralizar

Por Ivan Cintra

M3GAN é a nova aposta dos produtores James Wan (Jogos Mortais e Invocação do Mal) e Jason Blum (Whiplash e Corra!) para o cada vez mais popular terrir, o terror com elementos de humor. Gerard Johnstone assina a direção. O filme apresenta Cady, uma criança que vai morar com sua tia Gemma após perder os pais em um trágico acidente de carro. Gemma é uma brilhante engenheira especializada em robótica e inteligência artificial, funcionária de uma das maiores empresas de brinquedo do mundo. Viciada em trabalho, ela investe em um projeto que possa substitui-la na criação de Cady e, ao mesmo tempo, eleve sua carreira à novos patamares. Assim surge M3GAN (Model 3 Generative Android, ou 3º Modelo de Androide Gerador).

A androide de Gemma tem a aparecia de uma boneca, mas não é um mero brinquedo, é fruto de anos de desenvolvimento com inteligência artificial. Capaz de aprender novas funções e interações, M3GAN se torna a principal companheira e cuidadora de Cady, tomando para si as responsabilidades de mãe e amiga. O visual da robô se encontra em um limbo entre o adorável e o macabro. Não cabe comparações à tenebrosa Annabelle (também de James Wan). M3GAN é meiga, seu terror estético está no vale da estranheza – termo usado na robótica e na computação gráfica para explicar representações humanas realistas que, por algum indício de artificialidade, causam repulsa.

O filme é bastante competente em dar vida à boneca. A construção fílmica da personagem se dá através da performance de uma atriz, computação gráfica e animatrônicos. É um uso inteligente de efeitos práticos e digitais, que se combinam sublimemente. A jovem neozelandesa Amie Donald interpreta M3GAN nas passagens fisicamente ativas – inclusive nas cenas de dança.

Despretensioso, o longa discute sobre trauma infantil e esgotamento parental de forma simples e palatável. Não incomoda o público com conceitos complexos ou figuras de linguagem. É raso, porém singelo. A relação de Cady com Gemma é o centro da trama, enquanto M3GAN existe para preencher o rombo deixado pelo luto e frustrações das personagens. A boneca serve como escape, tanto para Cady, que nela deposita a imagem de protetora, quanto para Gemma, que entrega à boneca suas responsabilidades parentais.

O longa se inicia como sátira de um comercial de brinquedo infantil. É uma abertura inteligente. Com cores vivas e alegres, consegue causar uma estranheza cômica e singular. O filme de Johnstone não tenta sutilezas, chega a flertar com a comédia besteirol, mas sem perder a compostura do terror. O maior triunfo é de M3GAN é, precisamente, esta comédia singela e despretensiosa. O público do cinema, por exemplo, não consegue segurar a risada nas cenas em que a boneca robotizada canta para acalmar Cady. São cenas que imergem o espectador no vale da estranheza, é algo adorável e aterrorizante ao mesmo tempo, cômico e grotesco; causam sensações conflitantes que culminam na risada com pitadas de repulsa.

Mas não é um filme sem defeitos. M3GAN peca ao se render às populares cenas criadas para o TikTok, elas se inserem no filme em detrimento de sua própria qualidade. Algumas passagens são notavelmente produzidas para a viralização em formato de vídeos curtos; são cenas de poucos segundos, musicadas e dançantes. Inclusive, esses trechos têm enquadramento estranho, centralizando a ação no meio da tela, como se tivessem sido produzidos para a exata proporção de um celular. Cabe um apelo, de que as novas produções separem o que é material promocional para compartilhamento nas redes sociais do que é cinema.

Comparações com outros filmes e séries são inevitáveis. “Chucky, o Brinquedo Assassino”, de Don Mancini, ainda é o principal representante do gênero, mas M3GAN consegue encontrar sua identidade própria e se diferenciar. Enquanto o humor presente em Chucky é situacional e metalinguístico, com elementos satíricos sobre o gênero slasher; o humor de M3GAN é atrevido e descarado. Não busca fazer sátira com outros filmes ou autorreferências do estilo cinematográfico. De fato, tem poucas camadas de complexidade, mas é autoconsciente de sua simplicidade. É, por conta disso, um filme fácil de deglutir – o ponto mais importante para Wan e Blum, criar propriedades intelectuais de fácil aceitação do público e de custo modesto. Por isso, M3GAN é um acerto.

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