“Hackney Diamonds” é o melhor disco dos Rolling Stones em décadas
Por Luís Schuh Bocatios | Fotos: Divulgação
Desde A Bigger Bang, de 2005, os Rolling Stones não lançavam um disco de inéditas. No período, a banda permaneceu ativa, realizando turnês em que o repertório era formado majoritariamente por músicas dos anos 60 e 70, e lançando discos ao vivo ou de covers. Isso fez com que a maioria dos fãs acreditasse que o grupo já não tinha uma veia criativa que gerasse um lançamento relevante.
Essa impressão era reforçada pelo fato de que o último disco incontestável dos Stones foi Some Girls, lançado 45 anos atrás, em 1978. Após isso, houveram bons lançamentos – como Tattoo You, Voodoo Lounge e Bridges To Babylon –, mas também discos horrendos, como Emotional Rescue, Undercover e Dirty Work.
Em meados de 2019, o vocalista Mick Jagger confirmou que a banda estava trabalhando em um disco novo. O processo rendeu a boa música Living In a Ghost Town, lançada em abril de 2020, que se tornou uma espécie de hino pandêmico para os fãs dos Stones.
Vários fatores fizeram com que o disco demorasse quatro anos para ser lançado – a começar pela pandemia, que interrompeu o processo por quase dois anos. No final de 2021, a banda sofreu o baque da perda de Charlie Watts, baterista e membro-fundador do grupo, ao lado de Jagger e do guitarrista Keith Richards.
Toda a desconfiança, no entanto, foi plenamente driblada. Hackney Diamonds é uma celebração da carreira dos Rolling Stones, da vida e das amizades de seus integrantes. A lista de convidados conta com artistas lendários como Elton John, Stevie Wonder e Paul McCartney, além do fenômeno pop Lady Gaga e de Bill Wyman, baixista clássico dos Stones, que deixou a banda no início dos anos 90.
Praticamente todos os livros já escritos sobre a história da banda confirmam que a maioria dos inúmeros atritos entre Jagger e Richards foram gerados pelo fato de que o vocalista desejava expandir os territórios musicais demarcados pela banda, enquanto o guitarrista queria continuar fazendo o Blues-rock pelo qual o grupo ficou conhecido.
A inquietação de Jagger gerou músicas excelentes que flertavam com outros gêneros, como Miss You, influenciada pela Disco Music, e Cherry Oh Baby, influenciada pelo Reggae. Com o benefício da retrospectiva, no entanto, fica claro que a batalha foi vencida por Richards, pois, em 2023, as músicas da banda continuam com o mesmo tipo de riffs, melodias e, principalmente, a mesma energia.
No caso de Hackney Diamonds, até a ordem das faixas remete a discos antigos dos Stones, especialmente o clássico Sticky Fingers, de 1971. Comparando a estrutura dos dois álbuns, percebem-se padrões estabelecidos no clássico de 1971 e seguidos no álbum novo: uma balada como terceira faixa, diminuindo o ritmo da abertura; outro crescimento no ritmo, antes de quebrá-lo com um número de Blues; (quase) encerramento com uma música mais lenta com toques épicos.
A performance dos integrantes apresenta um vigor surpreendente, que denota a vontade que a banda estava de compor e gravar essas músicas: enquanto a voz de Mick Jagger, um pouco mais rouca, impressiona por estar idêntica ao que era nos anos 70, Keith Richards apresenta alguns de seus riffs mais inspirados em muitos anos.
Ronnie Wood entrega belos solos de guitarra, mas está sempre sob a sombra de Mick Taylor, que, mesmo não tão conhecido pelo público em geral, nunca foi esquecido pelos fãs dos Rolling Stones, não apenas por seus soberbos solos, mas também pela fase maravilhosa em que a banda estava nos discos em que Taylor tocou – de Let It Bleed, de 1969, até It’s Only Rock N’ Roll, de 1974.
A bateria, por sua vez, deixa a desejar – o que é compreensível, já que a banda teve que substituir Charlie Watts, que teve tempo de gravar apenas duas faixas. O substituto foi o excelente Steve Jordan, que já tocou com Eric Clapton, Bee Gees, Aretha Franklin, entre outros. Por melhor que ele seja, é difícil se acostumar com outra pegada em um disco dos Rolling Stones, já que Watts, goste-se ou não, era um dos bateristas com estilo mais reconhecível do Rock N’ Roll.
Além disso, o som da bateria também causa uma estranheza, pois a produção parece ter tentado capturar um som mais moderno, que definitivamente não encaixa com os Stones. As faixas que Watts participou, no entanto, incomodam menos, já que o estilo do baterista é inconfundível, apesar da produção continuar deixando a desejar.
Levando em conta a idade dos líderes da banda – Jagger tem 80 anos, Richards tem 79 – e os dezoito anos que ela demorou para lançar um álbum, é sensato acreditar que Hackney Diamonds seja o disco de despedida dos Stones. Aqui, há várias músicas que acenam para clássicos da banda, como Angry, cujo riff lembra o de Brown Sugar, e Driving Me Too Hard, cópia descarada de Tumbling Dice.
O fato da penúltima música se chamar Sweet Sounds Of Heaven (Os Doces Sons do Paraíso) e ser seguida por Rolling Stone Blues, cover de Muddy Waters, reforça o sentimento de requiem com o qual o ouvinte é deixado quando termina de ouvir o disco. Se esse for de fato o último capítulo da história discográfica dos Stones, será um final digno para uma das maiores bandas de todos os tempos.
Faixa a Faixa
Angry, primeiro single divulgado, é uma clássica abertura de disco dos Rolling Stones: riff forte, alto-astral, energia nas alturas. Mesmo assim, soa preguiçosa, e não tem muito a oferecer além da sonoridade familiar. Soma-se a isso o fato de a música é o momento em que o som de bateria mais incomoda, pois tira todo o elemento orgânico que sempre foi tão presente na obra dos Stones.
A segunda música, Get Close, traz a primeira participação especial do disco: quem toca piano é Elton John. A canção tem tudo que fez os Stones se tornarem uma das maiores bandas de todos os tempos. Ela é vibrante, tem um groove extremamente satisfatório, o som de bateria mais orgânico do disco, um belíssimo refrão e um riff extremamente característico, que é um dos melhores que Keith Richard compôs em muitos anos. Após a decepcionante faixa de abertura, é impossível não esboçar um grande sorriso ao decorrer de Get Close, que definitivamente está entre as melhores músicas dos Rolling Stones desde os anos 70, e é a melhor desse disco.
Depending On You é a primeira balada do álbum – e que bela balada! Aos 80 anos, Mick Jagger continua versando sobre amores perdidos, e sua performance vocal faz com que o público sinta muita verdade no que está sendo cantado. Isso é embalado por uma bela composição, que remete a clássicos como a sublime Wild Horses. O ponto negativo fica pelo solo de slide de Ron Wood, que não é ruim, mas perde a oportunidade de brilhar e alçar a música a outro patamar. Mesmo assim, é uma excelente canção.
As duas faixas seguintes remetem muito à sonoridade de Some Girls. Uma delas é Bite My Head Off, que segue o molde das pesadas When The Whip Comes Down e Shattered, que chegam a remeter ao Punk Rock. A faixa conta com uma linha de baixo um tanto quanto decepcionante de Paul McCartney, que, mesmo na seção reservada para que ele brilhe, se limita a seguir os acordes. A composição também não está entre as melhores do disco, mas o bom solo de Ronnie Wood e a performance forte de Mick Jagger vendem a música.
A seguir, temos Whole Wide World, um dos momentos mais pop do disco. Com uma melodia simples e marcante e um refrão inspiradíssimo, a música é uma das que mais fica na cabeça após as primeiras audições. A letra é bastante reflexiva, e apresenta um Mick Jagger saudosista e até ressentido, mas crente de que “a festa está apenas começando”. Ainda há espaço para dois belos solos de Ronnie Wood, que faz um belo uso do espaço que lhe foi concedido.
Após duas músicas agitadas, a pausa vem com a You Gotta Move ou a Sweet Virginia desse disco. Dreamy Skies é um típico número de Blues, cheio de slide-guitar, belíssimos licks de guitarra e uma melancolia que te transporta para um bar no sul dos Estados Unidos nos anos 50, em um filme dos irmãos Coen.
As duas faixas a seguir são as que Charlie Watts teve tempo de gravar: Mess It Up continua remetendo a Some Girls, e conta com um ótimo riff e versos divertidíssimos, mas um refrão genérico e pouco inspirado; Live By The Sword conta novamente com a participação de Elton John no piano, além de Bill Wyman no baixo. É um dos melhores momentos do disco: após um excelente riff, o verso tem uma estrutura melódica pouco comum, com vocais rápidos que Mick Jagger não costuma entregar. Em alguns momentos, chega a remeter ao clássico do Get It On, do T-Rex. Aqui, Ronnie Wood se supera e entrega o melhor solo do disco, o que contribui para que a música figure entre as melhores do trabalho.
Após uma sequência praticamente impecável, as duas faixas seguintes abaixam consideravelmente o nível imposto até então. A primeira é Driving Me Too Hard, que tem o maior auto-plágio da carreira dos Stones: um riff absolutamente igual ao de Tumbling Dice, clássico espetacular do disco Exile On Main Street, de 1972. A composição não é ruim, mas é genérica ao extremo – assim como a balada Tell Me Straight, cantada por Keith Richards, que é a canção menos inspirada do disco e não oferece absolutamente nada de interessante.
Caminhando para o final de Hackney Diamonds, temos a balada gospel Sweet Sounds Of Heaven, que traz Stevie Wonder no piano e nos teclados e remete a clássicos como Shine a Light e You Can’t Always Get What You Want. A excelente composição com tons épicos é engrandecida pelo maravilhoso dueto entre Mick Jagger e Lady Gaga, que brilha em todas as notas, e entrega uma performance sublime, perfeita para encerrar o disco.
O cover de Muddy Waters que vem a seguir, Rolling Stone Blues, soa como um epílogo não apenas deste belíssimo álbum, mas de toda a carreira da banda. Após tantos discos, tantas décadas, tantas voltas e rumos inesperados em sua história, os Rolling Stones continuam fazendo covers de blues. E o que é mais bonito que uma banda que, em sua possível despedida, faz de tudo para reconhecer suas origens, honrar seu legado e homenagear seus ídolos?
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