Fraude na Educação – O Caso dos Privilegiados
Uma discussão acerca do acesso à educação superior no Brasil, a partir do documentário “Educação Americana: Fraude e Privilégio” (Netflix, 2021)
Por Ivan Cintra
Em setembro de 2020 a Polícia Civil de Assis, no interior de São Paulo, emitiu 12 mandados de prisão para um grupo que burlava o vestibular de medicina em diversos estados do país. Os suspeitos recebiam até R$120.000 para fazer a prova no lugar do candidato, acredita-se que o grupo possa ter movimentado cinco milhões de reais em operações de fraude. Em 2019, um escândalo envolvendo admissões fraudulentas em grandes universidades tomou conta dos jornais estadunidenses.
Embora a realidade de fraudes no Brasil seja facilmente esquecida, o escândalo norte americano virou filme pela Netflix. O documentário “Educação Americana: Fraude e Privilégio” aborda os acontecimentos do esquema que por mais de vinte anos garantiu vagas em grandes universidades para jovens de famílias proeminentes.
Por mais que o documentário mostre o fim do esquema, é possível imaginar que este não é o único, ainda há uma opção legal nos Estados Unidos que garante uma vaga na universidade; uma doação substancial à instituição pode recomendar a admissão dos filhos do doador. Ainda é uma questão de privilégio.
No caso brasileiro, muitos dos privilégios concedidos em relação ao acesso à educação superior foram, não somente aceitos socialmente, mas também regulamentados pelo Poder Legislativo. A famigerada “Lei do Boi” (1968) reservava 50% das vagas em universidades de agricultura e medicina veterinária ao “povo do campo”; pesquisas posteriores demonstraram que a maioria dos ingressos por meio desta lei de cota eram filhos de grandes fazendeiros, que teriam plenas condições de entrar em escolas agrícolas sem ajuda da lei. A “Lei do Boi”, revogada em 1985 é considerada a primeira iniciativa de cotas em universidades públicas no Brasil, embora tenha beneficiado indivíduos que não precisariam dela.
O sociólogo francês, Pierre Bourdieu, aponta que a classe dominante, com abundante capital material (bens materiais e financeiros) e capital simbólico (cultura e erudição), se expressa em grande quantidade nas escolas “de elite” (escolas de graduação seletivas, baseadas em exames de acesso nacional). Tal modelo das escolas “de elite” ocorre no Brasil por meio do vestibular, um exame altamente seletivo e excludente, que aprova o ingresso na universidade apenas àqueles que tiveram as condições de estudo ideal.
Na educação do Brasil, se observa uma grande reprodução das diferenças sociais. Em um estudo de dados fornecidos pelo IBGE em 2018, o estudante de escola particular tem o dobro de chance de entrar na faculdade, comparados com os estudantes de escolas públicas. Segundo a pesquisa, 79,2% dos estudantes que se formam na rede privada ingressam no ensino superior, no entanto, estudantes da rede pública de ensino o percentual é de somente 35,9%
Outro dado importante é o motivo que levam as pessoas a não continuar os estudos após o nível médio, a maioria decide não continuar com os estudos por estarem trabalhando ou por precisarem cuidar dos afazeres domésticos. A verdade é que a classe social que não precisa se preocupar com o próprio sustento tem o privilégio de encontrar tempo para estudo.
Evocando Paulo Freire temos que, na realidade contemporânea, existem os dominantes e os dominados. Dentre os dominantes vivem aqueles que possuem grande capital simbólico aliado ao capital material, isto os dá oportunidades infinitas e acesso às melhores universidades. Também existem aqueles que não possuem um grau forte de erudição, mas com abundante capital material conseguem ingressar nas melhores universidades por meio do dinheiro e de suas influências. Àqueles que são dominados resta apenas a esperança de libertação; saber correr cem vezes mais rápido para alcançar aqueles que já nasceram próximos da linha de chegada.
Fontes:
“Educação Americana – Fraude e Privilégio” (Netflix, 2021)
Escritos de educação – Bourdieu, Pierre
Pedagogia do Oprimido – Freire, Paulo
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