Conheça discos essenciais de artistas que morreram em 2023
Por Luís Schuh Bocatios | Fotos: Divulgação; Rock Bizz
O ano de 2023 fez com que nos despedissemos de algumas das vozes mais influentes e talentosas da indústria musical, deixando um legado que continuará a ressoar por gerações. Para homenagear esses artistas e celebrar suas contribuições, mergulhamos nos registros musicais que marcaram as carreiras de músicos que partiram neste ano.
Neste texto, serão explorados discos que não apenas definiram suas carreiras, mas também ecoaram através do tempo, deixando um impacto duradouro no cenário musical.
Blow By Blow (1975) – Jeff Beck
Logo nos primeiros dias do ano, em 11 de janeiro, os guitarristas e fãs de música sofreram com a notícia da morte de Jeff Beck, considerado por muitos o melhor guitarrista de todos os tempos. Ídolo de lendas como Jimmy Page (Led Zeppelin) e David Gilmour (Pink Floyd), Beck era conhecido por sua maneira única de tocar e por sua versatilidade, que o levou a gravar com alguns dos maiores nomes da história do Rock e do Pop, como Mick Jagger, Stevie Wonder e Roger Waters.
Fluente na linguagem de diversos estilos musicais, como o blues, o jazz e o rock, Beck foi o primeiro guitarrista do The Yardbirds – grupo que deu origem ao Led Zeppelin. Após deixar a banda, fundou o The Jeff Beck Group, que passou por duas formações diferentes e contou com músicos lendários, como Rod Stewart, Ronnie Wood (The Rolling Stones) e Cozy Powell (Rainbow).
Sob essa denominação, lançou quatro discos ótimos – especialmente Beck-Ola, de 1969, e Jeff Beck Group, de 1972. Apesar de eclética, a sonoridade do grupo sempre foi muito calcada no Rock N’ Roll, o que minava as aspirações do guitarrista de expandir seus horizontes musicais. Isso fez com que ele declarasse o fim do projeto e seguisse em carreira solo.
Seu primeiro álbum após o fim da banda foi Beck, Bogert & Appice, único lançamento do supergrupo de mesmo nome, que contava com o baixista Tim Bogert e o baterista Carmine Appice. No entanto, foi em 1975 que o guitarrista lançou seu primeiro disco solo, que acabou entrando para a história como um dos grandes álbuns da história da música e, especialmente, da guitarra.
Produzido por George Martin – produtor que entrou para a história por seu trabalho com os Beatles –, Blow By Blow é um dos grandes discos da história do Jazz Fusion, gênero inventado no final dos anos 60 que unia os andamentos quebrados do jazz com uma pegada mais roqueira.
Nele, Beck conseguiu mostrar completamente seu nível técnico – que, na época, não tinha precedentes. Seu uso criativo de escalas pouco convencionais aos ouvidos dos fãs de Rock, além de uma particularidade imensa em sua pegada, fizeram com que muitos jovens guitarristas tivessem outra percepção sobre o que o instrumento pode ser.
O disco conta com clássicos como Constipated Duck e Cause We’ve Ended as Lovers, e figura ao lado de clássicos como Are You Experienced?, de Jimi Hendrix, e Van Halen I, do Van Halen, como um dos discos mais importantes da história da guitarra.
Deja Vu (1970) – Crosby, Stills, Nash & Young (David Crosby)
Em 18 de janeiro, quem nos deixou foi o cantor e compositor folk David Crosby. Apesar de uma longa luta contra problemas cardíacos, pessoas próximas ao cantor revelaram que sua morte se deve a complicações com a Covid-19.
Crosby iniciou sua carreira como um membro do Byrds, banda de folk-rock americana que gravou discos clássicos como Fifth Dimension e Younger Than Yesterday. Quando deixou a banda, se uniu a seus amigos Stephen Stills e Graham Nash, com quem fundou o supergrupo Crosby, Stills & Nash, que lançou seu primeiro disco em 1969.
No ano seguinte, o grupo gravou o álbum Deja Vu, que contava também com a participação de Neil Young, já um compositor bem-sucedido em carreira solo, que depois veio a se tornar um dos artistas mais celebrados da história da música, com discos clássicos como After The Gold Rush e Harvest. O resultado da mistura foi um dos mais brilhantes discos da história do folk-rock, que apresentava todos os compositores muito próximos do auge de sua forma.
A primeira faixa do disco é a excelente e folky Carry On, composta e cantada por Stephen Stills. Em seguida, a balada Teach Your Children, de Graham Nash, dá sequência ao alto nível, e faz com que a pesada faixa seguinte tenha um impacto ainda maior.
Com toques de blues e um vocal competentíssimo de David Crosby, Almost Cut My Hair é um petardo roqueiro como poucos até então. Com solos de guitarra sujos e guitarras muito mais distorcidas do que o comum em um disco de folk-rock, a música se tornou um dos maiores clássicos compostos por Crosby e um dos principais atestados de sua versatilidade como compositor.
Baixando a velocidade, temos a linda balada Helpless, primeira composição de Young no disco. A música fez tanto sucesso que o compositor continua a performá-la até hoje, e já brindou seus fãs com versões memoráveis da canção, como no álbum ao vivo The Last Waltz, da The Band.
A faixa seguinte é Woodstock, cover da compositora Joni Mitchell, outro momento roqueiro em um disco tão delicado. Cantada por Stills, a versão é muito mais agressiva do que a gravação original, que conta apenas com piano e a voz angelical de Mitchell.
Abrindo o lado B de Deja Vu, temos a faixa título, última composição de Crosby a aparecer no disco. Totalmente diferente da outra contribuição do compositor, Deja Vu é uma música complexa, cheia de movimentos diferentes, e com um nível enorme de sofisticação harmônica e melódica. A faixa tem vários momentos memoráveis, como o início, que chega a lembrar música medieval, o belíssimo refrão ou o solo de baixo performado por Stephen Stills.
Em Our House, a beleza no disco começa a parecer infinita. É difícil fazer uma lista de músicas mais bonitas e aconchegantes da história do rock sem incluir essa lindíssima composição de Graham Nash. Não por acaso, se tornou um grande clássico.
A faixa seguinte, 4+20, é bem menos famosa, mas não menos bela. Ao mesmo tempo em que talvez a canção de Stephen Stills talvez seja a mais simples do disco em termos de arranjo, é uma das mais sofisticadas em termos harmônicos e instrumentais, já que seu dedilhado de violão é complexo e extremamente criativo.
A mini-suíte Country Girl, de Neil Young, é outra das melhores músicas do disco, por causa de seus vocais harmonizados lindíssimos, melodias cativantes e um arranjo grandioso. A faixa de encerramento, Everybody I Love You, é a mais genérica do disco, mas tem um bom solo de guitarra e não deixa o nível cair.
Para quem deseja conhecer o folk-rock, e, mais especificamente o potencial de David Crosby como compositor, Deja Vu é uma das melhores pedidas possíveis, pois, além de ser um exemplar perfeito do gênero, é simplesmente um dos melhores discos de todos os tempos.
Marquee Moon (1977) – Television (Tom Verlaine)
No final de janeiro, dia 28, perdemos o líder do Television, Tom Verlaine, aos 73 anos. A causa da morte não foi divulgada. Mesmo que não seja tão famoso quanto Ian Curtis, Morrissey e outros nomes do pós-punk e da new wave do final dos anos 70 e início dos anos 80, Verlaine é, definitivamente, uma das figuras mais influentes do Rock nas últimas décadas.
Para comprovar isso, basta comparar seu disco mais famoso, Marquee Moon, com o lançamento mais importante do Rock nos últimos 25 anos: Is This It, dos Strokes. A influência que o Television exerceu em toda a cena do indie-rock dos anos 2000 é gigantesca. Bandas como Franz Ferdinand, The Killers e o já citado The Strokes seriam totalmente diferentes caso seus integrantes não conhecessem o grupo liderado por Verlaine.
Mesmo que seja inserido na sacola do punk-rock por algumas pessoas, assim como o Talking Heads, basta ouvir Marquee Moon com atenção para perceber que o disco é muito mais do que isso. O trabalho instrumental é tão sofisticado e tem uma beleza tão grande que chega a ser cômico colocá-lo ao lado de obras icônicas do punk, como os viscerais Never Mind The Bollocks, do Sex Pistols, e Plastic Surgery Disasters, do Dead Kennedys – que são tão brilhantes quanto, mas completamente diferentes do trabalho do Television.
Mesmo que todos os integrantes do grupo brilhem em seus respectivos instrumentos, a complexidade harmônica, melódica e instrumental que permeia o disco deve ser atribuída a Verlaine. O guitarrista cresceu em um ambiente muito musical, frequentando aulas de piano e saxofone desde criança, o que lhe fez dominar a linguagem do Jazz – influência muito sentida nesse disco, especialmente nas longas improvisações de guitarra oferecidas por Verlaine e Richard Lloyd, que enchem o álbum de duetos de guitarra inesquecíveis.
A única música que torna compreensível a classificação do disco como uma obra de punk-rock é a maravilhosa faixa de abertura, See No Evil. Sua pegada e performance vocal parecem bastante inspiradas no punk inglês do final dos anos 70. Mesmo assim, a faixa contém uma riqueza harmônica e melódica bem mais avançada do que o padrão no estilo, e um solo de guitarra incrível, que qualquer outro guitarrista de punk teria que passar meses estudando para executar.
Na faixa seguinte, Venus, um dos maiores clássicos da banda, a pegada se torna muito mais cadenciada, abrindo espaço para licks de guitarra super criativos e uma performance incrível da cozinha, formada por Fred Smith e Billy Fica. A terceira música é a pesada Friction, que remete ao Rock N’ Roll clássico, com um clima mais soturno e um riff que lembra até Led Zeppelin.
Fechando o lado A, temos a faixa-título, Marquee Moon, a música mais icônica da carreira da banda, e uma das melhores de todos os tempos. Cruzando os dez minutos de duração, a canção tem um riff de guitarra extremamente criativo, e uma interação entre as guitarras que beira o transcendental. É uma composição que tem a capacidade de mudar a vida de qualquer pessoa e a maneira com que qualquer guitarrista enxerga o instrumento.
A primeira parte da música traz uma composição lindíssima e com altos níveis de sofisticação. Todos os músicos brilham: a linha de baixo é memorável, a bateria conecta todos os elementos da canção de forma natural e Richard Lloyd, além do histórico riff, executa um belíssimo solo de guitarra. Mas é perto dos cinco minutos que a faixa muda de patamar. Emprestando escalas do Jazz, Tom Verlaine sola por mais de cinco minutos, sem em nenhum momento cansar o ouvinte, sempre inserindo novos elementos em seu fraseado. É um dos melhores solos de guitarra de todos os tempos, e se tornou uma peça de estudo obrigatória para qualquer um que queira conhecer profundamente o instrumento.
No lado B do disco, temos três belas baladas: a primeira, Elevation, conta com mais um belíssimo solo de guitarra, uma linha de baixo marcante e uma bateria super criativa. A segunda é a lindíssima Guiding Light, uma das melhores músicas do disco, que remete bastante a Rolling Stones em sua progressão harmônica, no piano que entra perto do pré-refrão, e principalmente na performance vocal de Tom Verlaine, que lembra muito Mick Jagger. O solo de Richard Lloyd, apesar de curto, é outro momento memorável do disco.
A penúltima música, Prove It, talvez seja a menos inspirada do álbum, mas passa muito longe de ser ruim: ela traz outra linha de baixo incrível, e seria um destaque em vários outros álbuns, mas o nível de Marquee Moon é muito alto. A balada que encerra o trabalho é uma de suas faixas mais pesadas, especialmente pelo soturno riff que a permeia. A canção traz algumas das passagens mais bonitas do disco, como o lick de guitarra que entra depois do refrão, e a épica volta ao verso inicial que ocorre em torno dos 4:20 da música, que é fechada com outro solo de guitarra espetacular.
Infelizmente, Tom Verlaine não foi tão reverenciado quanto merecia em vida, pois ele não é apenas um dos guitarristas mais únicos de todos os tempos, mas também um dos melhores compositores, que compôs sozinho sete das oito músicas – com a exceção de Guiding Light, parceria com Richard Lloyd – de Marquee Moon, um dos discos mais brilhantes da história do Rock.
Lavô Tá Novo (1995) – Raimundos (Canisso)
No dia 13 de março, o rock brasileiro foi pego de surpresa com a notícia da morte súbita de Canisso, baixista dos Raimundos e uma das figuras mais queridas entre os roqueiros do Brasil – tanto os fãs quanto os músicos. Canisso sofreu um infarto e foi levado às pressas para o hospital, mas não chegou a tempo de ser salvo.
Mesmo com inúmeras polêmicas na história dos Raimundos, seja entre ex-integrantes e atuais ou desavenças políticas que fecharam algumas portas da banda com outros músicos do meio, o baixista sempre se manteve querido por seus colegas, e era visto por muitos fãs como o último representante da essência real da banda.
Essa essência nunca foi vista de forma tão clara e inspirada quanto no segundo disco dos Raimundos – Lavô Tá Novo, de 1995. Ao mesmo tempo em que o álbum já sinaliza uma direção mais palatável que a banda tomaria em um futuro próximo, como na música I Saw You Saying, a crueza e visceralidade vistas no álbum de estréia, lançado no ano anterior, permanecem intactas e até aperfeiçoadas.
Músicas como Tora Tora, Pitando no Kombão e Esporrei na Manivela se tornaram algumas das preferidas dos fãs, exatamente por manterem o espírito do primeiro álbum, mas com um valor de produção mais bem-acabado. Já O Pão da Minha Prima e, especialmente, Eu Quero Ver o Oco se tornaram hits nacionalmente conhecidos, e mesmo assim passam longe de desagradar os fãs, pois a energia motriz da banda foi mantida, mas apresentada de forma um pouco mais comercial. É em Eu Quero Ver o Oco, aliás, que Canisso apresenta a linha de baixo mais marcante de sua carreira e, definitivamente, uma das mais reconhecíveis da história do rock brasileiro.
Vale apontar que as letras do Raimundos, que muitas vezes depreciam as mulheres e estereotipam nordestinos, muito dificilmente seriam aceitas nos dias de hoje. No entanto, a banda surgiu em um contexto totalmente diferente dos tempos atuais, em que esse tipo de piada era normalizada socialmente e culturalmente, seja no dia a dia das pessoas, em programas de TV ou em músicas de outras bandas – o maior fenômeno musical do Brasil na época eram os Mamonas Assassinas.
Os discos seguintes dos Raimundos seguiram um rumo diferente entre si, e também dos primeiros lançados pela banda. Segundo grande parte dos fãs, Canisso foi o único integrante da banda que, até o fim, manteve vivo e aceso o espírito dos Raimundos.
Atrás do Porto Tem Uma Cidade (1974) – Rita Lee
No dia 8 de maio, o Brasil sofreu com a perda de uma de suas maiores personalidades. Após uma batalha de três anos contra o câncer, Rita Lee morreu. Cantora dos Mutantes, banda mais importante da história do país, Rita também é dona de uma discografia solo de dar inveja em qualquer um.
Após sua saída dos Mutantes, a carreira da cantora passou por diversas fases: um início Rock N’ Roll, uma fase de transição calcada no Pop-rock e uma fase altamente pop, que se deve, também, à influência de Roberto de Carvalho, seu guitarrista, produtor e marido.
Como era de se esperar, a fase pop é aquela pela qual a cantora é mais lembrada pelo grande público. Sua fase nos Mutantes, por sua vez, é a mais aclamada por críticos musicais e apreciadores da Música Popular Brasileira (MPB). No entanto, um de seus melhores discos pertence à fase mais Rock N’Roll de sua carreira solo: Atrás do Porto Tem Uma Cidade, de 1974.
O lançamento marca a estreia da banda Tutti Frutti, que acompanhou a cantora por pouco menos de cinco anos, mas ficou marcada para sempre na história do Rock nacional. A banda do disco é composta pelos guitarristas Luís Carlini e Lucinha Turnbull, pelo baixista Lee Marcucci e pelos bateristas Mamão e Paulinho Braga.
A performance dos músicos é um dos principais motivos pelos quais o disco se tornou um clássico: enquanto Luís Carlini se estabeleceu como um guitarrista altamente promissor (status que se confirmou no clássico Fruto Proibido, de 1975), Lee Marcucci entregou linhas de baixo técnicas e, ao mesmo tempo, melódicas – além de um timbre inconfundível. Nos violões e guitarra base, Lucinha Turnbull mostrou enorme competência ao criar levadas marcantes, e, nas baquetas, Mamão e Paulinho Braga exibiram uma técnica muito acima da média, especialmente para o Brasil dos anos 70, e agraciaram o disco com uma energia ímpar.
Isso não serviria de nada, não fossem tão brilhantes as composições de Rita Lee (por vezes ajudada por Carlini e Marcucci). Nas letras, é um dos discos mais inspirados de Rita: irônica, engraçada e contestadora, a cantora entrou para a história da música brasileira como uma das letristas mais únicas do país. Musicalmente, as harmonias simples dão espaço para melodias altamente marcantes, que viraram clássicos como Yo No Creo Pero, Tratos à Bola e Menino Bonito.
Meat Is Murder (1985) – The Smiths (Andy Rourke)
Em 19 de maio, morreu, aos 59 anos, o baixista Andy Rourke, vítima de câncer de pâncreas. Rourke foi um dos principais responsáveis pela sonoridade original e única do grupo britânico The Smiths, do qual foi um dos fundadores, ao lado do vocalista Morrissey, do guitarrista Johnny Marr e do baterista Mike Joyce.
O segundo lançamento da banda, Meat Is Murder, raramente é considerado o melhor, pois não conta com nenhum grande hit. The Queen Is Dead, de 1986, ostenta alguns dos maiores hinos dos anos 80, como There Is a Light That Never Goes Out, Bigmouth Strikes Again e The Boy With The Thorn In His Side, enquanto a compilação de singles Hatful Of Hollow, de 1984, conta com hits como How Soon Is Now?, What Difference Does It Make e Please, Please, Please, Let Me Get What I Want.
O disco de 1985, no entanto, é muito querido pelos fãs mais devotos da banda, pois reserva muitas pérolas que, mesmo não tão comerciais, estão entre as favoritas dos fanáticos. Em termos de baixo, especificamente, é difícil pensar que qualquer outro disco da banda tenha um trabalho tão rico por parte de Andy Rourke, tanto em termos de timbre, quanto da performance por ele oferecida.
Mais confiante em relação ao disco de estreia, entrega performances completamente fora do comum, como em Barbarism Begins At Home – uma das grandes linhas de baixo dos anos 80 – e The Headmaster Ritual – que demonstra uma técnica apuradíssima, e uma capacidade ímpar de preenchimento da música e de contraposição à guitarra.
Também são dignas de destaque as linhas de baixo melódicas de faixas como Rusholme Ruffians e That Joke Isn’t Funny Anymore, além da extremamente criativa Well I Wonder, em que o baixo brilha na introdução de forma altamente original.
É um registro fundamental para a música dos anos 80, que captura um dos melhores baixistas de sua geração no auge de sua forma. Indispensável para os baixistas, para os fãs do Rock oitentista e para qualquer um que goste de música.
Private Dancer (1984) – Tina Turner
No dia 24 de maio, quem nos deixou foi uma das rainhas do Rock: a americana Tina Turner. Famosa por sua voz potente, a cantora sofreu com problemas de saúde ao longo dos últimos dez anos, e sua morte foi descrita por um de seus porta-voz ao Daily Mail como “causas naturais”.
O disco que a cantora lançou em 1984, Private Dancer, a transformou em uma das maiores estrelas da música mundial. Muito disso se deve à sua diversidade musical: transitando entre o rock, o pop e o soul, a cantora mostra sua versatilidade em interpretações marcantes de músicas como I Might Have Been Queen e Show Some Respect.
O disco também tem a oferecer belíssimas canções, como I Can’t Stand The Rain, que conta com toques épicos que apenas um flerte com o synthpop pode proporcionar, e a pérola pop Better Be Good To Me.
A produção ficou por conta de Mark Knopfler, líder dos Dire Straits, que estava fazendo seu nome como um produtor de respeito, além de um grande guitarrista e compositor. Um ano antes, ele havia produzido o ótimo Infidels, de Bob Dylan. Seu trabalho destaca a voz poderosa da cantora, assim como uma sonoridade contemporânea – que, hoje em dia, até soa um tanto datada, assim como o visual oitentista visto na capa.
Com letras emocionais que exploram temas como amor e solidão, o disco representa um capítulo importantíssimo não apenas na carreira de Tina Turner, mas também no cenário da música pop dos anos oitenta, estabelecendo o lugar da cantora como uma das artistas mais icônicas de sua geração.
Private Dancer é perceptivelmente um álbum dos anos 80, mas sua qualidade icônica transcendeu as décadas seguintes. Tina Turner não apenas entregou um grande disco, mas também consolidou seu status como uma das artistas mais reverenciadas da história da música pop.
Beach Samba (1967) – Astrud Gilberto
Em 6 de junho, quem nos deixou foi uma das cantoras mais importantes da bossa nova, gênero brasileiro mais famoso mundialmente. Astrud Gilberto morreu aos oitenta e três anos, deixando um legado invejável, que inclui a primeira gravação em inglês de Garota de Ipanema.
Seu disco de 1967, Beach Samba, é um mergulho encantador no universo da bossa nova. O álbum é um exemplar do estilo suave do gênero, incorporando elementos tradicionais brasileiros em uma fusão com a música internacional da época. Conhecida por sua voz doce, Astrud demonstra uma habilidade ímpar de interpretar as letras de forma alegre.
As músicas exploram temas variados, desde o romantismo até as impressões da vida à beira-mar, capturando a essência descontraída da música brasileira da época. A faixa Bim Bom se destaca como uma música cativante e otimista, enquanto Misty Roses oferece uma atmosfera mais contemplativa.
A participação do grupo Walter Wanderley Trio adiciona nuances instrumentais vibrantes que enriquecem o álbum, trazendo elementos de jazz que criam uma fusão harmoniosa que faz com que o ouvinte se sinta em uma praia na Zona Sul do Rio de Janeiro nos anos 60, década que marca o fim da época romântica carioca.
O álbum é um deleite musical que captura a magia e a sofisticação da bossa nova através da lindíssima e única interpretação de Astrud Gilberto. Trata-se de uma adição valiosa à discografia brasileira, e um testemunho da contribuição duradoura de Astrud para a popularização da bossa nova no cenário internacional. É uma audição obrigatória para todos os fãs de música brasileira, especialmente da bossa nova.
Revoluções Por Minuto (1985) – RPM (Luiz Schiavon)
No dia 15 de junho, quem nos deixou foi Luiz Schiavon, tecladista e principal compositor do RPM, maior fenômeno musical do Brasil nos anos 80. O músico lutava desde 2019 contra uma doença autoimune, e não resistiu a complicações decorrentes de uma cirurgia.
Enquanto bandas como Legião Urbana, Paralamas do Sucesso e Barão Vermelho estabeleciam o Rock como um gênero relevante no cenário mainstream brasileiro, surgiu um meteoro chamado RPM e chamou quase toda a atenção para si. Com um frontman que se tornou um sex-symbol, letras que tratavam sobre temas caros à juventude e uma sonoridade diferente de tudo que vinha sendo feito no Brasil, a banda se tornou o maior fenômeno musical do Brasil dos anos 80.
Tudo começou, é claro, no disco de estreia da banda – Revoluções Por Minuto, de 1985. O repertório do disco conta com clássicos como a faixa-título, Olhar 43, Rádio Pirata, Louras Geladas e A Cruz e a Espada. Todas essas faixas foram imortalizadas no clássico Rádio Pirata – Ao Vivo – que foi lançado em 1986 e vendeu quase 4 milhões de cópias, se tornando um dos maiores sucessos da história da indústria fonográfica brasileira. No entanto, foi no primeiro disco da banda que Schiavon mostrou toda a sua técnica no teclado.
Misturando influências que vão do Pós-punk do Joy Division até o Rock Progressivo de Emerson, Lake & Palmer, Revoluções Por Minuto traz pérolas do Rock brasileiro. Além dos já citados hits, há músicas menos conhecidas que, talvez, sejam as que mais demonstram a excelência de Schiavon em seu instrumento, e também como compositor.
Os lados B do álbum são músicas mais sombrias, que contam com um toque de Rock Progressivo e tempos quebrados, como as excelentes Liberdade/Guerra Fria, Sob a Luz do Sol, Juvenila e Pr’Esse Vício, que contam com timbres de teclado que nunca haviam sido ouvidos no Brasil anteriormente.
A partir de Revoluções Por Minuto, Luiz Schiavon marcou seu nome da história do Rock brasileiro, não apenas como um dos melhores tecladistas do país, mas também como um dos grandes compositores brasileiros dos anos oitenta.
I Left My Heart In San Francisco (1962) – Tony Bennett
Em 21 de julho, o mundo perdeu um de seus maiores ícones musicais: prestes a completar 97 anos, Tony Bennett morreu. O astro faz sucesso desde os anos 50, e chegou a ser considerado por ninguém mais ninguém menos que Frank Sinatra como o maior cantor do mundo.
Por causa de sua belíssima voz e suas interpretações marcantes, a estrela oriunda da mesma geração que lendas como Sinatra, Chet Baker e Doris Day se manteve relevante ao longo das décadas. Suas históricas rendições de clássicos como The Way You Look Tonight, Winter Wonderland e Body and Soul garantiram ao dono de uma das mais belas vozes da história um lugar de muito destaque na trajetória da música estadunidense.
O leque de artistas com quem Bennett colaborou vai de lendas, como Frank Sinatra e Dave Brubeck, até artistas famosos e relevantes nos últimos anos, como Lady Gaga e Amy Winehouse, passando por músicos da geração intermediária, como Diana Krall e Elvis Costello.
Em uma carreira de mais de setenta lançamentos, é muito difícil escolher qual o melhor trabalho de Bennett, ou mesmo qual a melhor pedida para começar a conhecer sua obra. Por via das dúvidas, me parece seguro recomendar o disco que tem como faixa-título um dos maiores clássicos do cancioneiro americano: I Left My Heart In San Francisco.
No disco, ficam claras todas as maiores qualidades do cantor: sua belíssima voz, que talvez nunca tenha soado melhor, e sua interpretação ímpar das canções. Para comprovar isso, basta ouvir músicas como a faixa-título, Tender Is The Night ou Have I Told You Lately. Para qualquer fã de Jazz, é um álbum indispensável de um dos maiores astros da história da música americana.
I Do Not Want What I Haven’t Got (1990) – Sinéad O’ Connor
No dia 26 de julho, quem nos deixou foi outro ícone dos anos noventa, a cantora e compositora Sinéad O’ Connor. A causa da morte não foi divulgada, mas sabe-se que os últimos anos não foram fáceis para a cantora, que perdeu seu filho para a depressão.
Em uma carreira marcada por altos e baixos, Sinéad sempre manteve sua integridade artística, aliada a seus valores ideológicos. Em 1992, no auge de sua popularidade, ela se apresentou no Saturday Night Live, um dos programas de maior audiência dos Estados Unidos, e rasgou a foto do Papa João Paulo II, em um protesto contra os casos de pedofilia e abuso sexual cometidos por padres.
Em entrevista concedida ao The Guardian em 2021, a cantora comentou a percepção geral de que o episódio acabou com sua carreira. “As pessoas que dizem isso estão falando sobre a carreira que tinham em mente para mim. Eu estraguei a casa que os caras da gravadora queriam comprar. Eu estraguei a carreira deles, não a minha”, explicou a cantora, demonstrando a inegociabilidade de seus valores.
Mesmo que a opinião pública tenha se virado contra Sinéad na época, o tempo e o reconhecimento da própria Igreja Católica sobre os casos de pedofilia fizeram com que seu ato fosse visto com outros olhos. Após sua morte, o ex-vocalista do The Smiths, Morrissey, declarou sua admiração por Sinéad, que “teve a coragem de falar quando os outros permaneceram em silêncio”.
O álbum que alçou a compositora ao estrelato foi I Do Not Want What I Haven’t Got, de 1990. O álbum toca em gêneros musicais completamente diferentes, como o folk, a música erudita, o pós-punk e o pop, tornando-se uma das maiores pérolas do art-pop.
É claro que, por ter sido um fenômeno tão massivo, o disco tem momentos muito mais pop do que art. Neles, a cantora oferece músicas pop de altíssima qualidade, como The Emperor’s New Clothes, Jump In The River, que flerta com o pós-punk, e a clássica Nothing Compares 2 U, composição de Prince que foi imortalizada na voz de Sinéad.
Já nos momentos mais art, o disco entrega ainda mais qualidade, especialmente em sua faixa de abertura e de encerramento. Feel So Different e a faixa-título conversam abertamente, com vozes e arranjos de cordas extremamente trabalhados, que inserem uma riqueza ao material que vai muito além de um disco comum de pop, por melhor que este seja.
The Band (1969) – The Band (Robbie Robertson)
Em nove de agosto, quem nos deixou foi Robbie Robertson, o lendário cantor, compositor e líder da clássica banda de folk-rock e southern-rock The Band. Robertson tinha oitenta anos, e lutava contra o câncer de próstata.
O início de sua trajetória no mundo da música foi junto à The Band, quando o grupo atuava como banda de apoio de Bob Dylan. Os frutos dessa colaboração geraram alguns dos discos mais riscos de Dylan, como o duplo Blonde On Blonde e o ao vivo The Royal Albert Hall Concert.
Em 1968, a banda decidiu seguir vôos solo, e lançou seu bom disco de estreia, Music From The Big Pink, que conta com um dos maiores clássicos do Rock: The Weight. Mas foi no ano seguinte que o grupo provou de uma vez por todas que era muito mais do que apenas a banda de apoio de Bob Dylan.
O disco homônimo, lançado em 1969, não é apenas um passo à frente em relação a seu antecessor, mas também um dos momentos mais inspirados de toda a história do cancioneiro norte-americano. O disco apresenta fortes raízes em gêneros clássicos dos Estados Unidos, como o country, o blues e o folk, mas une-os de forma brilhante com tendências contemporâneas, como o rock e o soul.
Essa mistura é constatada logo nas primeiras faixas do disco: enquanto a excelente Across The Great Divide se encaixa perfeitamente com as tendências da música pop na época, Rag Mama Rag denota de forma contumaz as raízes country do grupo, em uma gravação repleta de elementos que remetem ao estilo, não apenas no uso de instrumentos, como o banjo, mas também na fórmula harmônica e melódica. A emocionante The Night They Drove Old Dixie Down parece uma junção perfeita dos elementos vistos nas duas faixas anteriores, e conta com uma dramaticidade que a insere na galeria das mais belas baladas da história da música pop.
A lista de faixas deste clássico da The Band ainda tem espaço para momentos mais pesados, como as inspiradíssimas Jemima Surrender e Look Out Cleveland; canções influenciadas por ritmos em ascensão na época (especialmente o rock clássico e o soul), como as brilhantes Up On Cripple Creek e King Harvest (Has Surely Come); e momentos mais sutis, como a bela balada Rockin’ Chair.
Como uma das figuras mais importantes e, ao mesmo tempo, mais subestimadas da música norte-americana, Robbie Robertson deixou consideráveis contribuições à sétima arte.
Seu trabalho com Martin Scorsese – que se tornou seu amigo no final da década de setenta, quando dirigiu o show de despedida da The Band, The Last Waltz – gerou a trilha sonora de filmes como O Rei da Comédia, A Cor do Dinheiro, O Irlandês e Assassinos na Lua das Flores (lançado esse ano, pouco após a morte de Robertson), que entrará para a história como seu último trabalho. Scorsese foi apenas um dos milhões de fãs que sofreram com a perda de um dos grandes compositores dos últimos sessenta anos.
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