Sombras da vida e da morte
Por Luís Schuh Bocatios | Foto: Divulgação
“Nisto erramos: em ver a morte à nossa frente, como um acontecimento futuro, enquanto grande parte dela já ficou para trás. Cada hora do nosso passado pertence à morte.” – Sêneca
Não existe frase mais clichê do que “a única certeza da vida é a morte”. Por mais que isso seja verdade, também é um fato de que a morte é a grande incerteza da vida, o grande mistério impossível de solucionar.
Será que o destino do ser-humano é mesmo virar comida de vermes, ou o plano físico, o único que conhecemos, é apenas uma etapa de uma existência muito maior do que podemos conceber? É praticamente impossível passar pela terra sem se questionar e passar por momentos de extrema angústia ponderando sobre o que será de nós após nosso corpo parar de funcionar.
Assim como praticamente todas as inquietações que assolam a humanidade, o medo da morte é um assunto incansavelmente explorado no Cinema. É difícil pensar em um grande cineasta que deixou de tratar desse assunto em algum momento ao longo de sua obra.
Certamente o filme mais importante e conhecido por tratar deste tema é o sueco O Sétimo Selo, dirigido por Ingmar Bergman e lançado em 1957. O filme retrata um cavaleiro das cruzadas que retorna para casa e, ao encontrar um país devastado pela Peste Negra, passa a questionar sua fé em Deus. Ao ser confrontado pela Morte, ele a convida para um jogo de xadrez valendo sua vida e, enquanto isso, busca algum tipo de consolo e de certeza de que a vida não se encerra no plano físico.
O filme de David Lowery, Sombras da Vida (A Ghost Story, 2017), segue um caminho diferente, mais cínico. Por meio de um monólogo de um personagem coadjuvante, o filme explicita sua visão de que não há nada após a morte e, mais do que isso, de que tudo que fazemos neste mundo é absolutamente insignificante: mesmo que tenhamos uma vida marcante e impactante por gerações, eventualmente seremos completamente esquecidos.
Grandes artistas como Beethoven, cuja morte está prestes a completar dois séculos, permanecem lembrados e ainda o serão por muito tempo, mas o impacto de sua obra diminuirá cada vez mais. Mesmo que ele seja lembrado até o fim da vida humana, eventualmente, o universo deixará de existir e qualquer resquício de nossa passagem por aqui será apagado. É o que diz o roteiro.
Para pessoas comuns, nem precisamos ir tão longe. A maioria de nós ouviu falar, no máximo, de seus tataravós; ou seja, daqui a cinco ou seis gerações, ninguém sequer saberá que nós existimos. A dura verdade é que todas as nossas dores, inseguranças, conquistas e alegrias serão absolutamente insignificantes.
A partir disso, o filme busca discutir não a morte definitiva ou como lidamos com ela, e sim as milhares de mortes que passamos enquanto ainda estamos vivos. É aí que ele se relaciona com a frase de Sêneca que está no início deste texto.
Sombras da Vida conta a história de um fantasma (Casey Affleck) que volta para sua casa a fim de se manter próximo de sua esposa (Rooney Mara) e de sua casa. Contudo, eventualmente a viúva passa a se encontrar com outros homens e sua casa é demolida. Essas perdas fazem com o que o fantasma seja obrigado a lidar com o fato de que sua existência está sendo esquecida e tudo o que ele amava já não está mais da forma que era.
Isso vai machucando cada vez mais seus sentimentos, até que o fantasma, por mais paradoxal que seja isso, tenta se matar. A questão é que as dores que ele sofre são absolutamente humanas e sofridas por praticamente todos nós em vida. Quem não conhece a dor de ver alguém que tanto amava escolhendo seguir seu caminho independente de nós? Quem não conhece a dor de não poder mais visitar um local tão importante na nossa vida?
Como são numerosas e dolorosas as mortes que temos durante a vida! Quando saímos da escola, da faculdade, de um namoro, de uma amizade, uma parte importante de quem somos fica pelo caminho. Muitos de nós temos amigos de escola que imaginávamos que nos acompanhariam até a velhice e não temos mais contato. Quando o acaso cruza os caminhos dos ex-amigos, o encontro chega a ser constrangedor, pois duas pessoas que eram tão próximas não têm mais nada a dizer uma à outra.
É claro que algumas vezes isso acontece por alguma briga ou desentendimento no meio do caminho, mas, na maioria dos casos, o que acontece é simples: a morte. A morte de um adolescente para o nascimento de um adulto, a morte de um estudante para o nascimento de um trabalhador; o nascimento de preocupações que causam a morte de paixões, ou mesmo o nascimento de novas paixões que acabam matando as antigas.
Assim como a morte definitiva, isso tudo é inevitável, é inerente ao ciclo da vida. Fica o saudosismo e a nostalgia por versões nossas que já não existem mais e nunca voltarão a existir. Afinal de contas, como diz o título original do filme, a vida nada mais é do que uma história de fantasmas.
Comments (0)