A discografia solo de Bruce Dickinson

Por Luís S. Bocatios | Fotos: Divulgação

Nesta sexta-feira, 1º de março, será lançado The Mandrake Project, o sétimo disco solo de Bruce Dickinson, frontman do Iron Maiden e um dos maiores vocalistas de todos os tempos. A turnê de promoção do trabalho chegará a Curitiba em 24 de abril de 2024, e a excursão pelo Brasil também passará por Porto Alegre, Brasília, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, Ribeirão Preto e São Paulo.

Trata-se do primeiro lançamento da carreira solo de Dickinson em dezenove anos – desde Tyranny Of Souls, de 2005, que encerrava outro hiato considerável que se iniciou após o lançamento de The Chemical Wedding, de 1998, último disco de uma série de quatro lançamentos do vocalista nos anos 90, enquanto estava fora do Iron Maiden.

Segundo o vocalista, The Mandrake Project é “uma história sombria e adulta sobre poder, abuso e a procura por identidade, com o pano de fundo de uma genialidade científica e oculta”. O produtor Roy Z, que acompanha Bruce desde os anos 90, também assina como guitarrista e baixista do lançamento. Se juntam a eles o baterista Dave Moreno e o tecladista Mistheria.

O retorno de Bruce ao Iron Maiden foi tão bem sucedido que acabou ofuscando o sucesso de sua carreira solo, mas, enquanto a banda e o vocalista estiveram separados, o sucesso de Dickinson foi muito maior que o do Maiden.

Steve Harris, líder da Donzela, errou na escolha do substituto, Blaze Bayley, que não conseguia reproduzir ao vivo as notas mais agudas cantadas por seu antecessor. Os lançamentos de estúdio também não foram bem recebidos: o sombrio e progressivo The X Factor, de 1995, cresceu com o tempo, mas Virtual XI, de 1998, é considerado pela imensa maioria dos fãs como o pior disco da banda.

A recepção aos discos de Bruce Dickinson foi oposta: após algumas patinadas no começo – que, mesmo assim, foi bem sucedido –, a carreira decolou a partir de Accident Of Birth, quando o vocalista se reuniu com Adrian Smith, que havia deixado o Maiden em 1988. A dupla foi responsável pela composições de clássicos da Donzela, como Flight Of Icarus e 2 Minutes To Midnight.

Mesmo com altos e baixos, a discografia solo do lendário vocalista do Iron Maiden sempre gerou álbuns fortes, que valem a pena ser ouvidos por quem ainda não o fez. Abaixo, você pode conhecer um pouco mais sobre cada um deles. Antes de conhecer um pouco mais sobre eles, dê uma olhada em uma playlist personalizada com os melhores momentos da carreira solo de Dickinson, e se prepare para o projeto Mandrake e para turnê brasileira dos próximos meses.

Tattooed Millionaire, de 1990

O primeiro disco da carreira solo de Bruce Dickinson saiu enquanto ele ainda integrava o Iron Maiden. Enquanto a banda lançava o divisivo No Prayer For The Dying, Bruce lançou Tattooed Millionaire, álbum de Hard Rock que acabou sendo mais bem aceito que o lançamento do Maiden.

É um álbum importantíssimo para a carreira solo de Dickinson, mas também para a trajetória do Iron Maiden. Foi esse disco que deu ao vocalista a impressão de que não precisava da banda para fazer sucesso, e o encorajou a alçar vôo solo. Além disso, foi durante as gravações que Bruce indicou o guitarrista do álbum, Janick Gers, para substituir Adrian Smith, recém saído da banda.

Apesar de No Prayer For The Dying ser um disco subestimado do Maiden, é compreensível o motivo da empreitada solo do vocalista ter encontrado mais sucesso. Com um som muito mais comercial do que os discos anteriores do Maiden – Somewhere In Time e Seventh Son Of a Seventh Son, que exploravam caminhos mais progressivos –, Tattooed Millionaire traz canções extremamente fortes e acessíveis, com uma sonoridade contemporânea e um Bruce Dickinson explorando regiões de sua voz diferentes do que havia feito anteriormente.

O disco é muito bem balanceado entre baladas, músicas mais pesadas que se encaixam perfeitamente com o hard-rock oitentista e faixas um pouco mais pop. Son Of a Gun é a melhor balada do disco: uma excelente composição, tem um refrão fortíssimo e traz um uso de drive pouquíssimas vezes visto na carreira do vocalista até então. Gypsy Road também é muito boa, mas peca por ser um pouco repetitiva demais. 

Representando o lado mais pop do trabalho, Born In ‘58 é uma canção autobiográfica, em que Bruce fala sobre as dificuldades de sua infância, e dos princípios que aprendeu quando criança e já não eram mais vistos ao seu redor. Mesmo com momentos um pouco mais pesados, é a canção mais pop do disco, que se encaixa perfeitamente com a produção contemporânea. Já o cover de David Bowie e Mott The Hoople, All The Young Dudes, é muito fiel à gravação original, e foi responsável por apresentar toda uma geração a esse clássico dos anos 70.

Mas é mesmo no hard-rock que Dickinson aposta suas fichas. A faixa-título é a melhor dentre as mais agressivas do disco: uma excelente representante do rock dos anos 80, traz um riff simples e marcante, um pré-refrão fortíssimo, um refrão melhor ainda e uma letra endereçada a Axl Rose, que ironiza a figura das estrelas do hair-metal dos anos 80. Já Hell On Wheels é um hard-rock de altíssima qualidade, com riffs e solos excelentes, um refrão grandioso e mais uma performance vocal carregada de drive – sem abandonar seus clássicos vibratos, é claro. 

Dive! Dive! Dive!, Lickin’ The Gun e Zulu Lulu são mais genéricas, mas não menos divertidas: a primeira tem um ótimo refrão, a segunda tem um ótimo riff que lembra muito Led Zeppelin, e a terceira tem uma bela melodia vocal. A faixa de encerramento, No Lies, se alonga além do necessário, mas tem um excelente refrão, e uma introdução e versos muito semelhantes aos de Bring Your Daughter (To The Slaughter), faixa composta por Dickinson e lançada pelo Maiden no mesmo ano de 1990.

Balls To Picasso, de 1994

Se Tattooed Millionaire mergulhava fundo na sonoridade oitentista, o primeiro disco que Bruce Dickinson lançou fora do Iron Maiden, Balls To Picasso, traz um forte diálogo com a estética do rock alternativo que dominava as paradas nos anos 90. Isso já começa na capa do disco, que traz o vocalista usando uma toca e uma fonte semelhante às que eram usadas no alt-rock do período.

O álbum traz como banda de apoio o grupo Tribe Of Gypsies, composto pelo baixista Eddie Casillas, pelo baterista David Ingraham, pelo percussionista Doug Van Booven e pelo guitarrista Roy Z. O trabalho marcou a primeira colaboração de Dickinson com Roy Z, que se tornaria o principal parceiro de Bruce na carreira solo. Já em Balls To Picasso, o guitarrista é co-autor de nove das dez faixas.

A começar pela faixa de abertura, Cyclops, que é longa e interessante, tem um ótimo refrão e se distancia bastante tanto de Tattooed Millionaire tanto do trabalho que Dickinson vinha realizando com o Maiden. No entanto, a faixa se alonga demais e traz alguns momentos um tanto questionáveis, como o vocalize melódico de Bruce perto do final da faixa.

Hell No começa remetendo à canção Gutter Cat vs The Jets, lançada por Alice Cooper no clássico School’s Out, de 1972, mas utiliza de uma harmonia mais oriental, que lembra Powerslave e To Tame a Land, do Maiden. A faixa segue com um clima tenso e até um pouco sombrio, que é intensificado no refrão. O solo de guitarra traz marcas registradas do instrumento nos anos 90, como o uso de acordes com sétimas para a marcação melódica, e um foco na melodia, sem “shreds” exagerados. É uma faixa definitivamente mais forte que a primeira, e figura entre as melhores do disco.

A introdução de Gods Of War sugere uma faixa pesada e épica, mas seus versos vão por um caminho diferente. O refrão e as guitarras harmonizadas que precedem o solo comprovam que trata-se da música que mais lembra a sonoridade do Iron Maiden. O solo de guitarra é extremamente técnico e a performance vocal de Bruce é muito potente, mas a faixa é um pouco genérica demais.

1000 Points Of Light é uma das melhores do disco: com vários ótimos riffs, a faixa traz uma influência setentista que, junto com uma produção alinhada às diretrizes dos anos noventa, faz uma canção que, em alguns momentos, lembra o trabalho do Pearl Jam até então.

Laughing In The Hiding Bush é outro dos destaques do trabalho, com seus riffs pesados e sua maravilhosa performance vocal, que é muito distante da característica operística que permeia a carreira de Bruce Dickinson, mas tão potente e efetiva quanto. Roy Z novamente rouba a atenção para si com um excelente e elaborado solo de guitarra.

O álbum tem sequência com a balada Change Of Heart, em que Dickinson parece se inspirar em outros vocalistas de bandas lendárias que tiveram carreiras-solo muito bem sucedidas, como Sting e Peter Gabriel. Com um toque pop e até de world music (muito por causa da percussão), a faixa é o momento mais palatável de um disco já feito visando o mercado contemporâneo.

Shoot All The Clowns é um dos momentos mais ousados do disco, pois traz guitarras sem muito peso contrapostas a uma performance vocal muito agressiva de Bruce. Após mais um belo solo de guitarra, se inicia uma batida funkyada em que o vocalista, pasmem, se arrisca a fazer um rap. É de se imaginar a cara de Steve Harris ouvindo o disco novo de seu ex-companheiro de banda.

A faixa seguinte, Fire, é certamente a mais metaleira do disco. Misturando elementos de Black Sabbath e Deep Purple, figura entre os melhores momentos do trabalho. Tanto o solo quanto a base para ele, feita pelo baixo, parecem citar diretamente a dinâmica entre Geezer Butler e Tony Iommi. O destaque negativo fica para o refrão da faixa, que não consegue ser nada além de genérico.

Falando em genérico, a penúltima música do disco, Sacred Cowboys, é seu momento mais fraco. Nada de bom pode ser dito sobre essa faixa, que é preguiçosa em todos os sentidos: instrumentalmente, vocalmente e composicionalmente.

O clássico de Balls To Picasso é sua faixa de encerramento. Tears Of The Dragon é, indubitavelmente, o maior sucesso da carreira solo de Bruce Dickinson. Em números no Spotify, a música tem quase o mesmo número de reproduções do que todas as músicas de The X Factor e Virtual XI combinados.

A balada traz a sonoridade de músicas como Wasting Love, do Maiden, e uma letra que pode ser encarada como uma explicação aos fãs dos motivos que levaram o vocalista a deixar a banda. A composição é muito simples, porém marcante, com um refrão fortíssimo, uma brilhante performance de Bruce e mais um excelente solo de guitarra.

A canção fecha com chave de ouro um disco bastante irregular, que, mesmo passando longe dos momentos mais inspirados de Bruce Dickinson, impressiona por sua vasta gama de gêneros abordados, e pela ousadia do vocalista em se afastar completamente do trabalho que fazia com a banda que o tornou uma estrela mundial.

Skunkworks, de 1996

Se os dois primeiros trabalhos solo de Bruce Dickinson dividiram os fãs do Iron Maiden, o terceiro lançamento do vocalista trouxe uma reação muito próxima do consenso. Infelizmente para Bruce, foi um consenso negativo.

Os fãs metaleiros de Dickinson ficaram horrorizados com a sonoridade noventista e que se aproximava do grunge de Skunkworks, mesmo com os claros indicativos que Balls To Picasso deu de que aquele seria o caminho adotado nos próximos discos.

Planejado como o disco de estreia de uma banda que teria o mesmo nome, Skunkworks traz uma banda completamente nova para trabalhar com Bruce: a guitarra ficou a cargo de Alex Dickson, o baixo foi assumido por Alex Dale e as baquetas ficaram com Alessandro Elena. 

A banda trabalhou sob a batuta do produtor Jack Endino, conhecido por produzir bandas como Nirvana, Soundgarden e Mudhoney – no Brasil, Endino produziu quatro discos de estúdio dos Titãs: Titanomaquia, Domingo, As Dez Mais e A Melhor Banda de Todos os Tempos da Última Semana.

A verdade é que, basicamente, a única coisa que diferencia Skunkworks de discos do rock alternativo dos anos 90 é o vocal de Bruce Dickinson, que se adapta à linguagem do disco, mas mantém suas marcas registradas. No entanto, diferente do que os fãs dos anos 90 bradavam, essa similaridade com o cenário contemporâneo do rock não significa, de forma alguma, que o disco seja ruim.

As duas faixas de abertura comprovam isso com maestria: Space Race encanta por sua instrumentação simples e marcante, e por seu excelente refrão, em que Bruce mostra que seu vocal agudo e potente é inegociável, enquanto Back From The Edge parece uma música do Foo Fighters – que, cá entre nós, é melhor do que qualquer música lançada pela banda de Dave Grohl – e tem uma construção até o refrão muito incomum, porém inspirada a ponto de fazer a música figurar entre as melhores do disco.

Inertia representa uma ligeira queda de qualidade em relação às duas primeiras músicas, mas tem um solo de guitarra interessante e simples e um bom refrão. A próxima faixa, Faith, tem um clima tenso em seus versos, mas um refrão grandioso que suaviza o andamento da faixa. Um interlúdio pesado dá lugar a mais um solo de guitarra criativo, e a faixa é encerrada com a repetição do refrão.

Já Solar Confinement é uma das canções mais inspiradas do trabalho: uma linha de baixo pulsante e uma bateria precisa fazem a base para um arpeggio que marca as mudanças harmônicas no verso, construindo um terreno fértil para o refrão, que traz uma performance majestosa do vocalista, que engrandece a faixa com sua interpretação como apenas ele mesmo sabe fazer.

As duas faixas seguintes trazem pitadas de Radiohead: a discreta Dreamstate não impressiona, mas I Will Not Accept The Truth tem outra belíssima linha de baixo, um trabalho de guitarra interessantíssimo, e mais uma excelente performance vocal. Inside The Machine, sim, parece uma simulação um tanto quanto vazia do que a indústria buscava no rock dos anos 90.

Em seguida, a pesada e ótima Headswitch lembra algumas das músicas mais diretas do Soundgarden, a também ótima e tensa Meltdown flerta com o metal alternativo e traz o vocal mais rasgado do disco inteiro, e a maravilhosa Octavia é idêntica ao que seria uma música dos Smashing Pumpkins cantada por Bruce Dickinson, seja na harmonia, no riff e no solo de guitarra ou no timbre dos instrumentos. Para os fãs dos Pumpkins e de Dickinson, é uma curiosidade muito bem-vinda, que faz com que a música tenha um lugar especial em relação às outras do disco.

Innerspace repete alguns dos timbres de guitarra utilizados na música anterior, mas tem um clima totalmente diferente, mais agitado e com um pé no hard-rock. A última faixa Strange Death In Paradise parece um exercício que surge da pergunta “como seria se o Pink Floyd fosse uma banda de heavy metal?”. O resultado não é brilhante, mas fecha o disco de forma ousada e competente.

Mesmo que o disco seja ótimo, superior a seus dois antecessores, fica difícil discordar de que o período experimental da carreira de Dickinson estava muito perto de se esgotar, e uma volta ao território do Heavy Metal era iminente. O vocalista percebeu e fez exatamente o que os fãs estavam pedindo.

Accident Of Birth, de 1997

Os fãs que clamavam por uma volta de Bruce Dickinson ao heavy metal tiveram uma tremenda realização no ano de 1997, pois o lançamento de Accident Of Birth representou um retorno magistral do vocalista ao gênero que o consagrou – e, para isso, ele recrutou novamente seus parceiros do Tribe Of Gypsies, além de um convidado mais que especial.

A produção, a engenharia de som e a mixagem ficaram por conta de Roy Z, que, além disso, tocou piano, mellotron e guitarra – além do crédito de composição em quase todas as músicas. Eddie Casillas no baixo e David Ingraham na bateria formaram a cozinha novamente, enquanto Adrian Smith, principal parceiro composicional de Bruce dos tempos de Maiden, completou a dupla de guitarristas. Smith e Dickinson compuseram juntos alguns dos maiores clássicos da Donzela, como 2 Minutes To Midnight, Flight Of Icarus e Moonchild.

O petardo Freak abre o álbum com os dois pés na porta, fazendo com que os fãs desconfiados pelos discos anteriores sejam conquistados já na primeira nota. A faixa tem um excelente riff de guitarra e um refrão interessante, que dá o tom do que será o disco.

A seguir, a vinheta Toltec 7 Arrival abre espaço para a maravilhosa Starchildren, que é ainda melhor que a faixa anterior, em todos os sentidos. O riff é ainda mais pesado e a melodia vocal dos versos é ótima, assim como o trabalho de bateria de David Ingraham, e o grandioso refrão.

A primeira balada do disco, Taking The Queen, tem uma pegada épica, uma ótima linha de baixo, e, mesmo sendo mais lenta, não deixa de lado o peso do álbum. A passagem pesada da canção é uma das melhores de todo o álbum, assim como o lindíssimo solo de guitarra e o potente vocal.

Em seguida, a épica e progressiva Darkside Of Aquarius traz uma introdução soturna, que logo é substituída por um riff rápido que dá início a outra exímia música de heavy metal. Após o segundo refrão, dois brilhantes solos de guitarra entregam a faixa para um belíssimo interlúdio, em que o baixo faz a base para que o vocalista cante com suavidade, acompanhado por guitarras que são harmonizadas, mas de forma muito diferente do que o fã de Maiden se acostumou.

A volta desse interlúdio é um dos momentos mais especiais do disco, com Bruce despejando sua voz com drive em cima de outro excelente riff de guitarra. Após outra seção com guitarras harmonizadas, um coro repete a melodia anterior, enquanto o vocal segue uma outra melodia. É uma música estruturalmente muito complexa, que tem momentos puramente “maidenianos” e figura entre as melhores canções lançadas por Bruce Dickinson em sua carreira solo.

A faixa seguinte é a primeira colaboração entre Dickinson e Adrian Smith desde o álbum Seventh Son Of a Seventh Son, de 1988. Não por acaso, Road To Hell é um dos maiores clássicos do disco. Simples, direta e pesada, a canção remete às composições anteriores assinadas pela dupla, mas, mais do que isso, anuncia o estilo que viria a ser adotado quando ambos voltassem à banda, em canções como The Wicker Man, Speed Of Light e Days Of Future Past. Olhando em retrospectiva, ela tem mais a ver com o Maiden do futuro do que do passado.

Em seguida, outro dos maiores sucessos de Accident Of Birth: Man Of Sorrows é uma balada soturna, conduzida por piano e voz. Eventualmente, os instrumentos entram, adicionando um certo peso à canção, junto com coros e uma orquestra sutil. O destaque fica para o vocal e para o deslumbrante solo de Adrian Smith, que une técnica e um feeling melódico de forma que só ele é capaz.

A faixa-título é outra das que mais lembram Iron Maiden, especialmente em sua mudança de andamento no refrão, que remete a músicas como The Clairvoyant, e ficou ainda mais presente na banda após a volta de Dickinson e Smith, em canções como a já citada The Wicker Man e Lost In a Lost World. É mais uma excelente faixa em que os solos de guitarra merecem destaque, assim como o vocal sombrio.

The Magician esbanja uma influência claríssima de Deep Purple, seja em seus riffs; na performance vocal, em que Bruce Dickinson paga tributo a Ian Gillan; em ambos os solos de guitarra, que claramente homenageiam Richie Blackmore; na performance da cozinha, ou no excelente refrão, que surpreende por modificar a harmonia da música de forma quase imperceptível e muito pouco usual (assim como em Back From The Edge, do Skunkworks). Não está entre as melhores composições do disco, mas é uma das mais divertidas.

Entrando na reta final do álbum, a pesadíssima Welcome To The Pit é a segunda e última parceria de Dickinson e Smith no trabalho. O espetacular riff traz o momento mais pesado do álbum, e os versos tensos não preparam para um refrão surpreendentemente melódico e muito bom. Mais uma fantástica música!

O encerramento do disco, curiosamente, é com duas baladas: a primeira, Omega, é excelente e conta com partes pesadas que também lembram muito Iron Maiden, especialmente em sua seção mais rápida. Entre as baladas do álbum, essa é a que mais se destaca.

Arc Of Space é um encerramento tranquilo e cheio de violões, com um vocal cheio de ecos e um clima medieval. A música cumpre bem seu papel de encerrar o disco, mas não está entre as melhores do trabalho. Não que seja um demérito, dentro de um disco tão inspirado quanto Accident Of Birth.

The Chemical Wedding, de 1998

Se Accident Of Birth trazia um heavy metal clássico e de altíssima qualidade, seu sucessor teria a árdua missão de não se repetir e, mesmo assim, manter o nível. E essa tarefa foi cumprida com louvor no pesado, sombrio, surpreendente e espetacular The Chemical Wedding.

Para isso, o time de banda e produção se manteve idêntico ao disco anterior. The Chemical Wedding traz uma grande modernização no som de Bruce Dickinson. A produção de Roy Z faz questão de brincar com timbres mais pesados, afinações mais baixas e um som mais orgânico em todos os instrumentos.

Isso tudo já vem à tona na primeira faixa, a excelente King In Crimson. No primeiro acorde, já percebemos estar diante de um disco denso. Rápida, forte e pesada, a música é permeada por diversos riffs muito criativos e pesados, além de um refrão arrebatador, um solo de guitarra extremamente técnico de Roy Z e um altamente melódico, mas também complexo, de Adrian Smith.

Em seguida, a faixa-título segue o peso de sua antecessora, mas é mais arrastada e climática. Ela tem um refrão épico e grandioso, e uma ponte que traz o vocalista utilizando sua potência vocal de forma única. O solo novamente se destaca, trazendo um fraseado lindíssimo, e entrega de novo para o refrão encerrar a faixa.

A terceira música, The Tower, é, provavelmente, o maior hit do disco. Talvez isso se deva à semelhança com o Iron Maiden, que se dá desde a introdução – que é praticamente uma Wrathchild com um baixista abaixo do nível de Steve Harris – e vai até o grandioso refrão, passando pelos versos e pelas guitarras harmonizadas acompanhadas pelo baixo, que remetem imensamente à sonoridade dos três primeiros discos do Maiden.

Killing Floor é a primeira composição de Adrian Smith no disco. É energética, pesada, tem riffs incríveis e uma performance vocal desafiadora de Bruce Dickinson, que alterna entre um drive extremamente rasgado e momentos mais melódicos.

Em seguida, uma das melhores canções da carreira de Dickinson: um dedilhado de baixo soturno dá início a Book Of Thel, e é seguido por uma guitarra com um fraseado que remete ao trabalho de David Gilmour. Algumas frases instrumentais prenunciam que a faixa se transformará em outra coisa, e isso acontece de forma explosiva, grandiosa e épica. A mudança resulta em uma música de heavy metal clássico, conduzida por um excelente riff e uma performance inquieta de Bruce Dickinson, que resulta em um refrão maravilhoso e um interlúdio instrumental pesadíssimo e caótico, que tem belos solos de guitarra performados em escalas poucos usuais. 

Uma mudança de andamento abre espaço para um coro grandioso, performado por várias vozes oitavadas de Bruce Dickinson. Após isso, outro interlúdio dá espaço para a bateria brilhar com viradas incríveis, até que a música volta à sua parte principal, e é encerrada com uma voz narrando em cima de um piano. É uma obra-prima do disco, da carreira solo de Bruce Dickinson e do heavy metal em geral.

A faixa seguinte é a primeira balada do disco: Gates of Urizen tem uma longa introdução acústica, em que Bruce Dickinson canta com uma suavidade poucas vezes vista em sua carreira. Quando os outros instrumentos entram, a performance continua sutil, até a explosão no refrão, em que o vocalista usa a plenitude de seus poderes. Em seguida, uma linha de baixo excelente conduz a parte do solo, que é bonito, mas não está entre os melhores do disco – assim como a música em si.

Outra música icônica de The Chemical Wedding é a lindíssima Jerusalém, em que Dickinson despeja toda a sua influência dos primeiros discos do Jethro Tull. Uma das mais belas composições da carreira de Bruce, ela encanta tanto em seus momentos calmos e acústicos, quanto na parte pesada, em que ambos os guitarristas performam solos brilhantes, e a composição descamba em uma parte épica e termina calma novamente. A essa altura, o ouvinte começa a se perguntar o quão mais brilhante e variado o disco pode ser.

Nesse contexto, a rápida e pesada Trumpets Of Jericho cai como uma luva, pois lembra o ouvinte que, no fim das contas, ele ainda está ouvindo um disco de metal clássico. Com uma excelente performance da cozinha – especialmente do baterista David Ingraham, a faixa é heavy metal puro e moderno: um riff rápido e pesado, uma belíssima utilização do pedal duplo, um refrão grandioso. Perto dos três minutos, a faixa muda completamente, quando se inicia um dos riffs mais pesados do disco inteiro, que chega a lembrar Black Sabbath.

Chegando na reta final do disco, temos Machine Men, a outra parceria entre Smith e Dickinson a figurar no disco. Uma das faixas mais pesadas do disco, ela conta com riffs espetaculares, uma performance matadora de Bruce Dickinson – que lembra o estilo de Ronnie James Dio –, um refrão simples e pegajoso, um solo de guitarra fantástico e um final sombrio, em que Dickinson entoa a frase “Iron in the soul”, o que quer que isso signifique.

A última faixa do trabalho é, também, a mais sombria: The Alchemist se inicia com vozes cheias de efeito de Bruce Dickinson, que logo é substituída por um riff pesadíssimo e um vocal agressivo. O excelente solo de guitarra prenuncia a volta do refrão da faixa-título, e é dessa forma conceitual que se encerra o melhor disco da carreira solo de um dos maiores vocalistas da história do heavy metal.

Tyranny Of Souls, de 2005

Um ano após o lançamento de The Chemical Wedding, Bruce Dickinson, Adrian Smith e Steve Harris atenderam as preces de praticamente todos os fãs de heavy metal do mundo e uniram-se novamente. Uma curta turnê no ano de 1999 serviu para a banda se re-entrosar, e a virada do milênio trouxe o lançamento de Brave New World – que, a essa altura, já pode ser considerado um disco clássico, e um dos mais importantes da carreira do Iron Maiden.

A extensiva turnê do disco – que gerou o inesquecível disco ao vivo no Rock In Rio de 2001 – emendou com a produção do álbum seguinte, Dance Of Death. O ritmo frenético fez com que Bruce não tivesse tempo para se dedicar a um novo trabalho solo, que acabou sendo lançado apenas em 2005, sete anos após o lançamento de seu antecessor.

Para isso, Bruce reuniu-se com Roy Z para as guitarras e a produção, mas, dessa vez, não contou com Ingraham e Casillas. Para a bateria, trouxe Dave Moreno, e o baixo foi dividido entre três músicos: o próprio Roy Z, Ray Burke e Juan Perez. Os teclados ficaram sob o comando de Mistheria.

A estética pesada dos discos anteriores permaneceu em voga em Tyranny Of Souls, mas com uma veia comercial mais aguçada. A primeira faixa é a introdução Mars Within, que serve como uma vinheta de abertura para o trabalho.

Em seguida, há duas músicas rápidas e pesadas: Abduction soa como uma sobra das gravações de Dance Of Death, mas, se tivesse entrado no trabalho em questão, seria um dos destaques. Mesmo que o pós-refrão da faixa seja muito mais pesado do que qualquer coisa que o Maiden já fez, a progressão harmônica e o trabalho de guitarras presente na música remete totalmente ao trabalho que a banda estava realizando na época.

A pesadíssima Soul Intruders tem início com um riff que lembra o thrash metal e um pedal duplo incessante. O que começa a seguir é uma clássica canção de heavy metal, que traz um Bruce Dickinson explorando a totalidade de seu poder e de seu alcance vocal. Roy Z entrega um solo de guitarra extremamente técnico e rápido, mas sem abandonar a melodia.

Kill Devil Hill tem uma introdução mais climática, mas um riff de guitarra que gera um verso tão pesado quanto as músicas anteriores. O refrão é grandioso e épico, e o encerramento da faixa é longo e tão climático quanto a introdução, com um piano e licks de guitarra suaves e sofisticados.

A faixa seguinte, Navigate The Seas Of The Sun, é absolutamente diferente de tudo o que o vocalista fez em sua vida. Conduzida por violões e um vocal limpíssimo, a “balada” folk tem um clima medieval e lembra algumas músicas do começo de carreira do Pink Floyd. Por incrível que pareça, até o vocal de Bruce Dickinson nos versos chega a lembrar a voz de David Gilmour – assim como o solo de guitarra de Roy Z, que também entrega um solo de violão que se aproxima muito do flamenco.

Em seguida, River Of No Return é aberta com um riff que remete instantaneamente à música Running With The Devil, que abre o primeiro disco do Van Halen. A excelente composição segue padrões básicos de uma música mais lenta de heavy metal, até que uma quebra após o segundo refrão traz um peso adicional à canção, que figura entre as melhores do disco.

Se aproximando da reta final do disco, o nível começa a cair. Power Of The Sun traz mais um ótimo riff, outra performance excelente de Bruce Dickinson e também remete ao trabalho contemporâneo do Iron Maiden, mas peca por ser familiar demais. Já Devil On a Hog é a canção mais palatável do disco, remetendo até aos tempos de Skunkworks, mas com menos inspiração. Ela soa como uma divagação desnecessária do restante do trabalho, e, apesar de não ser ruim, deixa o nível cair.

A faixa seguinte, Believil, também está entre as piores do trabalho. Ela soa como uma faixa do Alice In Chains, e, mesmo como um fã da banda de Seattle, é difícil argumentar que ela parece quase uma paródia da sonoridade do grupo.

Felizmente, a canção que encerra o disco faz com que o fã fique com uma impressão ótima do disco, pois ela é uma das melhores lançadas por Bruce em carreira solo. Sombria, pesadíssima e progressiva, a faixa título tem um refrão grandioso e marcante, um solo de guitarra excelente e fecha o trabalho com chave de ouro.

É uma pena que, mesmo com uma média de qualidade altíssima, os fãs tenham tido que esperar quase vinte anos para ouvir mais um trabalho de Bruce Dickinson. A boa notícia é que finalmente chegou a hora: The Mandrake Project chega às lojas e aos serviços de streaming nesta sexta-feira, 1º de março de 2023.

Comments (0)

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *