Os 12 melhores álbuns de 2022
Por Luís Schuh Bocatios
Ao passo em que mais um ano se aproxima do fim, a reflexão e as retrospectivas se fazem cada vez mais presentes em nossas mentes. Seja na política, no esporte, no cinema ou na vida pessoal, todos tivemos nossas alegrias, expectativas cumpridas, decepções e revoltas.
No mundo da música, o saldo de 2022 parece ter sido bastante negativo. No Brasil, perdemos alguns dos nomes mais importantes da história de nossa música popular: a primeira perda, já em janeiro, foi a de Elza Soares. No começo de novembro, quem nos deixou foi Gal Costa, e, no fim do mês, Erasmo Carlos.
Fora do país, a lista vai de fenômenos da música Pop — Olivia Newton-John, Christine McVie (Fleetwood Mac) e Andy Fletcher (Depeche Mode) — até nomes do Rock N’ Roll — Jerry Lee Lewis, Meat Loaf, John Hartman (The Doobie Brothers) e Burke Shelley (Budgie) —, passando por figuras do Pop-rock — Taylor Hawkins (Foo Fighters), Paul Ryder (Happy Mondays) e Mark Lanegan (Screaming Trees) —, do Jazz e do Rock Progressivo — Ian McDonald (King Crimson), Alan White (Yes) e Michael Henderson. Em um ano com tantas perdas, o que nos resta é nos abraçar aos bons discos lançados.
Para os fãs do Indie-rock, o Arctic Monkeys dobrou, em “The Car”, a esquisitice que já havia mostrado no genial “Tranquility Base Hotel & Casino”, de 2018, e entregou um bom e corajoso disco. Além disso, a dupla Thom Yorke e Johnny Greenwood, do Radiohead, lançou o álbum “A Light For Attracting Attention”, primeiro e ótimo disco de seu novo projeto, “The Smile”.
No campo do Metal, os estreantes do Maule revisitaram a New Wave Of British Heavy Metal em seu ótimo disco homônimo, enquanto o Megadeth lançou o bom “The Sick, The Dying… And The Dead!”.
As decepções do ano ficaram por conta do disco homônimo de Michael Rault e de “Oxy Music”, de Alex Cameron, que não conseguiram repetir a excelência de seus antecessores — “A New Day Tonight” e “Miami Memory”, respectivamente.
O Weezer, por sua vez, lançou o projeto SZNZ, composto por quatro EPs, cada um sobre uma estação do ano. Mais uma vez, comprovou que é a banda mais imprevisível da história do Rock; após dois álbuns de estreia geniais, passou anos lançando discos péssimos, até que reviveu em 2014, com “Everything Will Be Alright In The End”, e deu continuidade à boa fase com o álbum branco de 2016. Voltou a lançar discos ruins, até 2021, quando lançou o maravilhoso “Ok, Human” e o bom “Van Weezer”. O novo projeto era uma incógnita, e, apesar de bons momentos, está entre os mais decepcionantes que a banda já lançou, contando com momentos constrangedores – como a faixa que dá início a todo o projeto: “Opening Night”, primeira faixa do EP Spring.
Abaixo, uma lista absolutamente pessoal dos dez melhores discos lançados em 2022:
12) Radiance (The Dead Daisies)
Em seu segundo disco sendo liderado por Glenn Hughes (baixista e vocalista, ex-Deep Purple), o supergrupo rotativo The Dead Daisies entrega um belo disco de Hard Rock.
Não espere surpresas: é Rock N’ Roll básico, sem firulas, que se recusa a fazer qualquer tipo de concessão pop. O que vende o disco são as boas composições, e, especialmente, as impecáveis performances dos integrantes.
Formada por Doug Aldrich (Dio, Whitesnake) e David Lowy, a dupla de guitarristas fornece ótimos riffs e belos e criativos solos, enquanto o baterista Brian Tichy performa de maneira espetacular durante os 36 minutos do disco.
Glenn Hughes, por sua vez, merece um capítulo a parte; na estrada desde 1973, quando teve a árdua missão de substituir Roger Glover e se juntar a Davis Coverdale nos vocais do Deep Purple, Hughes também tocou com Black Sabbath e Gary Moore, entre outros. Nesse disco, aos 71 anos, ele deixa no chinelo praticamente todos os vocalistas do Rock mundial. Pouquíssimas pessoas na história chegaram a essa idade com uma voz tão boa.
Apesar de irregular — algumas faixas são muito melhores que outras —, o disco é uma bela pedida para os fãs do Hard Rock e do Rock Clássico.
11) We (Arcade Fire)
Assim como o já citado Weezer, uma das bandas mais irregulares do mundo é o Arcade Fire. Ao mesmo tempo em que a discografia dos canadenses conta com os maravilhosos “Funeral” e “The Suburbs”, o grupo também entregou o mediano “The Neon Bible”, o inchado “Reflektor” e o fraco “Everything Now”.
O álbum novo, “We”, não se compara aos melhores que a banda lançou, mas certamente é muito melhor que “Everything Now”. Em termos de coesão, é o melhor desde “The Suburbs”, já que “Reflektor” é um disco de 1h15 que deveria ter 40 minutos — duração de “We”.
O disco dá continuidade aos temas que a banda sempre explorou em sua discografia, especialmente os problemas do mundo moderno e tecnológico e como eles nos afetam psicologicamente.
Com exceção da faixa-título, que fecha o disco, todas as outras são interligadas: “Age Of Anxiety” I e II (“Rabbit Hole”), “End Of The Empire” I-III e IV (“Sagittarius A*”), “The Lightning” I e II e “Unconditional” I (“Lookout Kid”) e II (“Race And Religion”).
O estilo das composições é um passeio pelas fases da carreira da banda: enquanto as “Age Of Anxiety” dão continuidade ao estilo mais dançante que a banda fez em seus dois últimos discos — e, se estivesse em qualquer um dos dois, seria um dos destaques —, as roqueiras “The Lightning” I e II se encaixariam perfeitamente em “The Suburbs”, e, caso estivessem no disco, não estariam entre as melhores, mas também não fariam feio.
As duas outras duplas, “End Of The Empire” e “Unconditional”, são menos inspiradas, mas não a ponto de deixarem a peteca cair. Enquanto as três primeiras partes de “End Of The Empire” constroem um clima épico, a última é monótona, sem-vida e representa o pior momento do disco. “Unconditional I”, por sua vez, é uma bela canção calcada no violão com uma ótima melodia, e “Unconditional II” é uma faixa dançante e decente que mostra influências de Peter Gabriel — que participa da faixa — especialmente nos batuques característicos do britânico. Tudo é encerrado calmamente na acústica “We”, que não tem nada demais, mas fecha o disco em uma nota positiva e melancólica.
Mesmo que a produção de Nigel Godrich — conhecido por produzir Radiohead, Paul McCartney e Roger Waters, entre outros — deixe a desejar em alguns momentos em termos de punch, as composições são fortes o suficiente para sustentar o disco como uma esperança de que a banda tem potencial para voltar a seus dias de glória — mesmo que ele não tenha sido plenamente atingido nesse bom disco.
10) Hellfire (Black Midi)
Em termos de loucura, poucos discos desse ano conseguem competir com o novo trabalho do Black Midi, trio de Rock alternativo de Londres. Ao longo de seus 38 minutos, “Hellfire” escala cada vez mais em uma loucura que deixa o ouvinte quase com medo de onde isso tudo vai dar.
O disco é uma mistura de vários tipos de Rock: Art, Jazz, Progressivo, Alternativo, Psicodélico. Com apenas cinco anos de carreira e dois álbuns lançados, é praticamente um milagre que a banda consiga, em seu terceiro trabalho, fazer uma mistura tão caótica soar tão sensacional.
O principal single, “Welcome To Hell”, é uma perfeita mistura entre o Rock Progressivo épico e toques de Frank Zappa, com uma pitada de autoralidade da banda que transforma a música em algo totalmente único. Mais única ainda é “The Race Is About To Begin”, que é com certeza a música mais louca do ano, e junta um instrumental de Jazz Fusion, passagens de Heavy Metal e um vocal falado e muito rápido.
Mas também há momentos mais delicados (nem tanto), como “Still”, “Eat Men Eat” e “The Defence”, que servem para aumentar o impacto dos momentos mais despirocados. Se você está disposto a ser levado em uma jornada completamente diferente de qualquer outra coisa que está sendo feita na música atual, “Hellfire” é um disco pra você. Gostando ou não, é uma experiência extremamente interessante.
9) 3rd Secret (3rd Secret)
O álbum de estreia do novo projeto de Krist Novoselic (Nirvana), Matt Cameron (Pearl Jam) e Kim Thayil (Soundgarden) parece ter sido feito por uma inteligência artificial que junta os melhores aspectos de cada uma das três bandas. Quando isso se junta à incrível voz de Jillian Raye (Giants In The Trees), os belos backing vocals de Jennifer Johnson e o competente trabalho de guitarra de Bubba Dupree (Void), o resultado se torna mais do que satisfatório.
Além dos músicos, o produtor do álbum também tem tudo a ver com a cena de Seattle do final dos anos 80: Jack Endino — responsável pelo álbum de estreia do Nirvana e que deixou sua marca no Brasil por ter trabalhado múltiplas vezes com os Titãs — é quem assina a produção.
As três faixas iniciais já mostram muito bem o que o disco vai entregar: “Rhythm Of The Ride” mostra o lado acústico sempre presente nas bandas Grunge, mas adiciona uma pegada mais bluesy. “I Choose Me”, por sua vez, é Grunge sem tirar nem por — especialmente Soundgarden — e “Last Day of August” fica no meio termo, realiza uma bela junção entre o peso e o lado acústico das faixas anteriores.
O resto das músicas não foge muito disso, mas, ao mesmo tempo, não são repetitivas a ponto de enjoar. “Winster Solstice”, por exemplo, tem pitadas de “Led Zeppelin III”. “Live Without You”, por sua vez, é bem mais pop que o resto do álbum — e, caso lançada nos anos 90, certamente seria um sucesso —, enquanto “Right Stuff” tem toques de música folk medieval.
As duas excelentes músicas que fecham o disco — “Somewhere In Time” e “The Yellow Dress — selam o trabalho como uma ouvida obrigatória para os fãs de Grunge, que certamente não se decepcionarão.
8) Fear Of The Dawn (Jack White)
Após o estranho “Boarding House Reach”, de 2018, Jack White voltou a fazer um Rock mais direto, com sua assinatura altamente particular, que remete a seus primeiros discos solo, especialmente o excepcional “Lazaretto”, de 2012.
Não que o experimentalismo tenha desaparecido completamente, pois faixas como “Hi-de-ho”, “Eosophobia” e “Into The Twilight” soam como uma versão aprimorada do que o compositor tentou fazer em seu álbum de 2018.
Se o disco fosse composto apenas pelos três petardos de abertura – “Taking Me Back”, “Fear Of The Dawn” e “The White Raven” -, sua presença nessa lista já estaria justificada. A verdade é que não fica muito longe disso; apesar do lado B ter boas canções, como “What’s The Trick?” e “Morning, Noon and Night”, a verdadeira força do álbum – tanto em sua faceta mais rockeira quanto na mais experimental – reside em seu lado A.
No meio do caminho entre o Rock’n Roll que fazia antigamente com a esquisitice que mostrou em “Boarding House Reach”, White entrega um disco com potencial de agradar os fãs de todas as fases de sua carreira.
Três meses após “Fear Of The Dawn”, o compositor lançou outro disco de inéditas, “Entering Heaven Alive”, que, apesar de contar com bons momentos, é bastante inferior. Se White tivesse juntando os melhores momentos dos dois discos em apenas um, ele certamente estaria nas primeiras posições dessa lista.
7) Baby (Petrol Girls)
Fazia muito tempo que eu não ouvia um disco de Punk tão agressivo, direto e bom. Terceiro trabalho de estúdio das britânicas da Petrol Girls, “Baby” é um trabalho altamente politizado, cuja sonoridade chega a flertar com o Hardcore de bandas como Dead Kennedys.
O conteúdo das letras é muito relevante, atual e politizado . Mas o que vende o disco, de fato, são as excelentes composições, e as performance, que são ainda melhores. A banda entende que agressividade não tem nada a ver com o quão distorcidas são as guitarras, e passa seu recado com maestria.
O repertório vai de momentos de Punk puro, como “Feed My Fire”, “Baby, I Had An Abortion” e “Fight For Our Lives”, até faixas mais tranquilas e tão boas quanto, como “Unsettle”, passando por faixas mais pop, como “Bones”, que fecha o álbum, e lembra até o trabalho de bandas de Pop-rock, como Paramore.
Um disco Punk na sonoridade e na atitude, “Baby” mostra que as Petrol Girls não apenas são uma banda cheia de potencial, mas também já são uma realidade. Belíssimo disco!
6) Gêmeos (Terno Rei)
Eu não sou lá o maior fã dos paulistas do Terno Rei. Em seus primeiros discos, a banda já estava muito certa da sonoridade que queria explorar, mas parecia mais interessada em afirmá-la do que, de fato, nas composições, e isso fazia com que as músicas fossem muito parecidas entre si.
Minha principal crítica era que as músicas eram feitas pensando na sonoridade, e não vice-versa. Claramente era uma banda cheia de talento, mas que precisava amadurecer.
Pois bem, esse amadurecimento veio em “Gêmeos”. Cheio de composições nostálgicas, o álbum mostra uma banda sem medo de adicionar elementos novos em sua sonoridade, desde que eles sirvam à música. Isso já é visto na primeira e excelente faixa, “Esperando Você”, que mostra tons pesados de guitarra que a banda não havia usado até então.
Recheado de ótimas canções sentimentais sobre nostalgia, isolamento e o mundo moderno — como “Dias da Juventude”, “Sorte Ainda”, “Aviões” e “Internet” —, o álbum leva o ouvinte em uma jornada melancólica ao longo de seus 35 minutos de duração.
Com clara influência de bandas como Tame Impala, “Gêmeos” se encaixa perfeitamente na cena Indie que está em alta no Brasil e no mundo. Ao mesmo tempo, há momentos em que o álbum lembra a MPB e o Rock brasileiro, como na excelente “Isabella”, cuja progressão de acordes lembra algo que Caetano Veloso faria, e a harmonização vocal parece inspirada por Secos & Molhados.
Em termos instrumentais, o álbum também entrega, pois há belas perfomances individuais de cada integrante, e todos entendem perfeitamente o que as músicas precisam, sem a necessidade de chamar atenção para si mesmo quando não é necessário.
Se a banda repetir a abordagem de “Gêmeos” em seus próximos discos, tenho certeza que vem muita coisa boa por aí. Talento e potencial de se transformar em uma das grandes bandas brasileiras dos próximos anos, de fato, não os falta.
5) Mean Machines (Dual Fighter)
Pra quem é fã de Hard Rock setentista, não consigo pensar em nenhuma outra pedida no ano que seja tão acertada quanto esse disco. Estreia da dupla Dual Fighter, de Indianapolis, o disco soa como se o Deep Purple tivesse surgido no contexto de produção dos anos 90.
Essa influência é constatada principalmente nos riffs de guitarra, que lembram Richie Blackmore, e no trabalho de bateria, que, apesar de um tom mais “gordo”, parece inspiradíssimo em Ian Paice. Mesmo assim, em nenhum momento nada chega perto de parecer plágio ou imitação — não estamos falando de um outro Greta Van Fleet —, até porque o vocal é totalmente diferente e o tom das guitarras é mais pesado do que o de costume nos anos 70, chegando a remeter ao grunge e até a coisas do Queens Of The Stone Age.
Um prato cheio para quem gosta de Hard Rock, o álbum oferece desde petardos diretos — como “Fireball”, Wake The Echoes” e “Psycho Blue”, a melhor entre essas — até faixas mais épicas — como a abertura “Planet One Shutdown” e a pesada faixa-título, a melhor do disco, que ultrapassa os seis minutos de duração, remete a Alice In Chains e impressiona por sua escala grandiosa e belos solos de guitarra.
É verdade que a cada ano fica mais difícil para os fãs do Rock Clássico encontrarem bandas novas e boas que representem o estilo, mas quem procura, acha. E que achado excelente foi esse disco.
4) SIM SIM SIM (Bala Desejo)
Em um dos períodos de maior mediocridade da história da música brasileira (especialmente da MPB), o grupo Bala Desejo surge como uma grande esperança. Formado pelos amigos de escola Zé Ibarra, Dora Morelenbaum, Julia Mestre e Lucas Nunes, o conjunto entrega um disco de estreia recheado de belas canções, ótimo instrumental e uma bem-vinda nostalgia de vários artistas da época áurea da MPB.
A sonoridade remete diretamente à Música Popular Brasileira do final dos anos 70 e começo dos anos 80 — especialmente o trabalho de Caetano Veloso com a Outra Banda da Terra, que acompanhou o cantor entre os álbuns “Bicho” (1977) e “Uns” (1983).
Músicas como “Baile de Máscaras” e “Lua Comanche” parecem ter saído diretamente dos discos “Cinema Transcedental” ou “Outras Palavras”, de Caetano Veloso — a última, inclusive, tem um ritmo que lembra “Trilhos Urbanos”, uma das melhores músicas do compositor. “Dourado Dourado”, por sua vez, tem momentos que remetem ao trabalho de Milton Nascimento até a metade dos anos 70, enquanto “Clama Foresta”, com sua belíssima linha de baixo, tem uma pegada Reggae que lembra Gilberto Gil.
Ainda, o grupo oferece músicas que, claro, lembram outros artistas, mas tem um toque autoral muito forte, como a melancólica “Muito Só” e a genial “Lambe Lambe”, que, com sua maravilhosa melodia e instrumental solar, parece transportar o ouvinte para a beira de uma praia da zona sul do Rio de Janeiro no início dos anos 80.
Até a forma como o álbum foi feito remete a outro caso clássico da MPB: todos se mudaram para um sítio para compor as músicas e trabalhar no disco. Qualquer semelhança com “Acabou Chorare”, dos Novos Baianos, não é mera coincidência.
Co-produzido pela também brilhante Ana Frango Elétrico (não deixe de ouvir o sensacional “Little Electric Chicken Heart”, de 2019), SIM SIM SIM não apenas ressuscita a esperança de novos bons artistas na MPB, como deixa o público louco pra ver o que o grupo — e seus integrantes, individualmente — podem oferecer em um futuro muito próximo.
3) Cave World (Viagra Boys)
Nos tempos estranhos em que vivemos, onde a discussão política se torna cada vez mais complicada — não apenas pela intolerância, mas pelos absurdos que algumas pessoas acreditam —, há várias maneiras de abordar essas discussões. O que os Viagra Boys fazem, em “Cave World”, é ridicularizar completamente as opiniões neandertais que estão cada vez mais em voga.
Um tema recorrente ao longo do álbum é comparar as opiniões negacionistas, odiosas e conspiracionistas ao que pensava um homem das cavernas. Isso é explorado com muita sagacidade em faixas como “Troglodyte”, “The Cognitive Trade-Off Hypothesis” e “Return To Monke”, que fecha o álbum pedindo para que essas pessoas saiam da sociedade e voltem a viver como os macacos.
Mas o álbum não é monotemático — há belas músicas aqui que tratam de outros assuntos. “Criminal Baby” é sobre uma mãe refletindo em como seu filho — outrora um bebê inofensivo — se tornou um criminoso. “Punk Rock Loser” traz o vocalista ironizando a si mesmo quando era mais novo. Já “Ain’t No Thief” é uma saga sobre um casaco roubado (ou não), enquanto “ADD” trata do Transtorno de Déficit de Atenção, e como algumas drogas ilícitas são mais efetivas para tratar do problema do que os remédios receitados pelos médicos, e “Big Boy” parece uma mistura completamente louca de Beatles com uma produção do pop atual e uma linha de baixo ótima e pesada. Todas elas são criativas, inteligentes, divertidíssimas e excelentes.
Musicalmente, o álbum é uma grande obra pós-punk, desde os vocais — que, em alguns momentos, remetem bastante aos de Johnny Rotten (Sex Pistols e Public Image Ltd.) — até o instrumental, que tem elementos de Devo, Buzzcocks e momentos que poderiam estar em “Closer”, do Joy Division, ou “Movement”, do New Order — especialmente a faixa “ADD”.
“Cave World” é um disco moderno, engraçado, divertidíssimo e cheio de valor tanto nas letras quanto no instrumental. É um dos poucos dessa lista que eu não consigo ver um público alvo claro; por isso, recomendo a todos que escutem essa obra sensacional.
2) Harry’s House (Harry Styles)
Em seu terceiro disco após deixar a boyband adolescente One Direction, Harry Styles reafirma que é um dos grandes artistas da música pop atual. Após o sensacional disco de estreia — que foi lançado em 2017, carrega seu nome e mostra influências que vão de Radiohead a Elvis Presley — e o ótimo “Fine Line”, de 2019 — que vai fundo na música Pop de Paul McCartney e Fleetwood Mac —, “Harry’s House” flerta com o Indie-pop, o Yacht-rock oitentista e a R&B.
Além das boas composições e excelentes melodias, o principal aspecto que diferencia o trabalho de Harry Styles de outros artistas pop da atualidade é o fato de que as músicas, em sua maioria, são gravadas de maneira orgânica; o baixo é realmente um baixo, a bateria é realmente uma bateria.
“Harry’s House” se trata do álbum menos orgânico de Styles, por seu uso constante de sintetizadores e, em algumas faixas, bateria eletrônica, mas isso tudo é mixado da maneira mais deliciosa possível, remetendo ao Synth e Dance-pop dos anos oitenta.
Já na primeira faixa, “Music For a Sushi Restaurant”, Harry entrega uma música fantástica e difícil de ser rotulada, pois flerta com vários gêneros ao mesmo tempo — Disco, Soul-music, Synthpop. A faixa ainda conta com uma belíssima linha de baixo, e um arranjo de sopros inspiradíssimo que eleva a música.
Na sequência, a melhor do disco: “Late Night Talking”. A música tem absolutamente tudo que uma música pop precisa: uma melodia excelente, um pré-refrão melhor ainda e um refrão sensacional. Tudo isso é envolto por uma instrumentação marcante, outra ótima linha de baixo, e uma simplicidade harmônica que transformam a canção em uma das melhores do ano.
Outras faixas seguem um estilo parecido, que remete à R&B, como “Daydreaming” e, especialmente, “Cinema”, que parece uma música do Bruno Mars que deu certo. Já “As It Was”, principal single, é o mais próximo do puro Synthpop oitentista que o álbum chega, seguida por “Sattelite”, outra das melhores do trabalho.
As melodias mais sofisticadas estão na boa “Grapejuice” e em “Daylight”, que aparece forte na disputa pelo título de melhor do disco. Com uma excelente letra, uma das melhores perfomances vocais de Harry e uma produção inspirada, a faixa tem uma linda melodia e um instrumental discreto, mas certeiro. “Keep Driving” é uma das mais perdidas no disco, pois é difícil encontrar pares para ela. Não chega a ser dispensável, mas também está longe de figurar entre as melhores.
As baladas do disco também são ótimas: “Little Freak” tem um clima melancólico de fim de festa, enquanto “Matilda” se destaca por seu violão maravilhosamente bem-tocado, com harmônicos certeiros, e sua letra tocante e emocionante. “Boyfriends” é outra boa composição — apesar de exalar uma energia meio “desculpa por ser homem” —, enquanto “Love Of My Life”, que fecha o disco, não chega a ser ruim, mas é a faixa menos interessante do trabalho.
Em sua ainda curta carreira solo, Harry Styles não atingiu o nível de excelência, por exemplo, que Lorde atingiu em “Melodrama”, mas está atingindo uma regularidade que nenhum artista pop da atualidade pode ostentar. Se ela continuar, o britânico tem tudo para marcar seu nome como um dos grandes artistas de sua geração.
1) Impera (Ghost)
O primeiro colocado não é apenas o melhor disco do ano, mas também o melhor disco da carreira da melhor banda de metal da última década: “Impera”, do Ghost.
Um passo natural na evolução da banda, o álbum remete ao Metal dos anos 80 em faixas como “Kaisarion”, “Spillways” e “Griftwood” – que começa com uma referência a “Ain’t Talking About Love”, do Van Halen -, e ao início dos anos 90, especialmente em “Call Me Little Sunshine”, que se encaixaria perfeitamente no Black Album, lançado pelo Metallica em 1991.
“Kaisarion” merece uma atenção especial. Primeira faixa após a vinheta “Imperium”, que abre o disco, o épico é, pra mim, a melhor música lançada desde 2016, quando David Bowie lançou “Blackstar”, que abre seu homônimo álbum de despedida. Tão excitante quanto complexa em suas mudanças, a primeira metade da faixa gerou comparações com o trabalho do Iron Maiden, e, a segunda, do Dream Theater.
Outras das melhores músicas são “Griftwood”, “Call Me Little Sunshine” e “Watcher In The Sky”. Mesmo nas faixas menos espetaculares, a banda mantém o projeto interessante por causa de influências e sonoridades inusitadas – “Twenties” traz uma influência de estilos brasileiros, e “Darkness At The Heart Of My Love” ressalta o fato da banda sair da Suécia, talvez o país europeu com mais produtores importantes na música pop atual.
“Impera” consolidou o Ghost como um grande headliner de festivais de Metal na Europa e nos Estados Unidos. No Brasil, a base de fãs da banda cresce cada vez mais, tornando-a a maior esperança que fãs de Metal tem na renovação do gênero, que ainda depende de dinossauros como Iron Maiden, Metallica e Ozzy Osbourne para trazer público a grandes festivais.
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